quarta-feira, 31 de outubro de 2012

SENHORA BEATRIZ



31 de Outubro de 2012

50 – SENHORA BEATRIZ

Milhares de pássaros em formação transformam o céu de Okatonga num cenário vibrante e cheio de vida. O barulho que fazem é tremendo, é idêntico a um furacão embrutecido capaz de arrancar as árvores pela raiz e de as soprar pelos ares.
- Não podemos parar, João Miguel! As tropas do coronel-sapo e os escaravelhos devem estar quase a alcançar-nos. Escuto os passos acelerados de Dona Suzete que deve estar mortinha para se vingar. – exclama Esmeralda sempre a correr.
Renato fica de todas as cores ao escutar de novo este nome.
- CHEGA ESMERALDA! ESTOU FARTO! Não quero mais ouvir falar da aranha branca. NÃO QUERO! NÃO QUERO! NÃO QUERO! Fico com a cabeça a andar à roda sempre que me lembro dela e daquilo que me fez. Se depender de mim, essa bruxa de oito patas nunca nos apanhará. – diz o sapo numa grande aflição.
Desde que o João Miguel saiu do laboratório de Zebedeu, a sua viagem ficou muito atribulada. Existem forças estranhas e bem poderosas que desejam impedi-lo de cumprir a sua missão.
Os amigos ajudam-no, como podem, nesta fuga pelo meio da floresta. O menino tem conseguido escapar aos perseguidores, mas agora as forças ficaram muito desequilibradas.
- Esmeralda, Renato, e se eu me entregasse e me deixasse prender? Assim acabava a correria de uma vez por todas. Eu conheço Mestre Tino, já comi à sua mesa, já estive sentado ao seu lado e não acho que ele seja assim tão assustador. Então, não acham que é uma boa ideia? – desabafa o João Miguel com preocupação.
Esmeralda e Renato param de imediato.
O menino também está parado na floresta, com a roupa toda encharcada e de cabelos molhados a olha para eles.
A menina e o sapo berram juntos e a uma só voz:
- É A IDEIA MAIS TOLA QUE PODIAS TER TIDO!
Esmeralda continua a falar, com os nervos quase em franja:
- Não podes desistir! Não te podes entregar dessa maneira, João Miguel! Não é só a tua vida que está em jogo. Não são apenas as vidas dos nossos reis Alberto e Alberta que estão em perigo. Se te deixares apanhar, o Mestre Tino atirar-te-á para o fundo do poço do esquecimento e Okatonga deixará de existir. O nosso mundo desaparecerá para sempre, tu desaparecerás e ninguém te recordará. Será como se nunca tivesses existido.
O menino recupera o fôlego. Esta paragem deu-lhe algum tempo para pensar. O poço do esquecimento deve ser o local de entrada e de saída dos labirínticos túneis do esquecimento, reino secreto da toupeira Anastácia.
Okatonga é, de facto, um lugar misterioso, e a última coisa que deseja é causar o desaparecimento deste reino. Quando regressar a casa, João Miguel faz questão de contar todos os detalhes desta grande aventura à mãe e à avó Dulce. Tem a certeza absoluta que elas vão adorar. A mãe vai ficar espantada quando souber que Zebedeu existe e é igualzinho à história que ela lhe começou a contar. Este é um motivo mais do que suficiente para dar razão a Esmeralda e ao sapo Renato.
- É A IDEIA MAIS TOLA QUE EU PODIA TER TIDO! Como é que fui capaz de pensar uma coisa destas? – grita o menino.
- Vá lá, não se fala mais no assunto! – diz Esmeralda estendendo-lhe a mão. – Temos de continuar a correr para alcançar o coração da floresta. Ninguém o conhece tão bem como eu.
Quando se preparam para recomeçar com a louca correria, uma coruja enorme de porte imperial, rosto branco, redondo, e de olhos muito negros, fala do alto da sua morada:
- Não me parece ser boa ideia correr nessa direção. Vocês estavam tão entretidos com a conversa que nem deram conta da minha presença.
Esmeralda reconhece a dona desta voz rouca e sábia e olha de imediato para o alto da árvore:
- Senhora Dona Beatriz! Que grande honra! – exclama a menina ensaiando uma vénia.
O sapo Renato está tão admirado que as palavras saem-lhe da boca com dificuldade:
- Se…Senho…Senhora Do… Senhora Dona Bea… Beatriz! O me… O meu no… O meu nome é Re… Rena… Renato. Sou um sim… sou um simples sa… um simples sapo que se sente muito honrado em poder cumprimentá-la!
A coruja tem novidades desanimadoras para lhes dar, mas antes de as transmitir, voa até ao chão e aterra mesmo em frente ao menino que fica boquiaberto com a beleza e majestade da coruja Beatriz.
- Senhora Dona Beatriz, boa-tarde. Chamo-me João Miguel e estes são os meus amigos Esmeralda e Renato.
A coruja sacode as asas por duas vezes antes de começar a discursar:
- Sei muito bem quem vocês são. Tu não podes continuar a corrida pois todos os caminhos estão cercados. Os escaravelhos espalharam-se em círculo e estão a poucos minutos daqui. A aranha Suzete construiu armadilhas com fios muito resistentes e cristalinos. Mesmo que conseguisses passar pelos escaravelhos, serias apanhado numa dessas teias impercetíveis. E se, mesmo assim, ainda as conseguisses evitar, fica a saber que a raposa Judite, o porco Baltasar e os gémeos Aroma e Amora acabaram de se juntar ao Medina, ao Isidoro, ao coelho Belchior e às tropas do coronel-sapo. Como vês, a tua fuga tornou-se mais difícil. A situação piorou e o tempo passou a ser teu inimigo.
Tudo se complica. Com os caminhos cortados, nada mais resta ao menino do que esperar pela sua mais que provável captura. Mas Esmeralda não desiste. A menina sabe que ainda resta uma hipótese para o João Miguel conseguir escapar. A salvação encontra-se ali mesmo à frente dele.
O menino não reage. A coruja é tão bonita que até as más notícias lhe soaram bem. Esmeralda dá-lhe dois safanões para o fazer sair desta espécie de transe.
- João Miguel! Então? Vá lá, acorda! Tens de pedir à Dona Beatriz para te levar depressa para fora daqui. Estás a ouvir-me, João Miguel? Pede ajuda à coruja das torres, ela pode carregar contigo às costas e salvar-te desta grande complicação.
Dona Beatriz reage primeiro, com ar sorridente:
- Perdeste a língua, miúdo? Será que tens medo das alturas?
A figura imponente da coruja impressionou-o imenso, mas o menino recompõe-se e pergunta:
- Senhora Beatriz, será que me pode ajudar a sair desta terrível situação
Os milhares de pássaros em formação continuam a fazer um barulho tremendo, idêntico a um furacão embrutecido capaz de arrancar as árvores pela raiz e de as soprar pelos ares.
O menino está com a respiração suspensa a aguardar a resposta de Beatriz.
Renato e Esmeralda estão com a respiração suspensa a aguardar a resposta de Beatriz.
Nunca, como agora, um pequeno instante lhes pareceu tão imensamente preguiçoso.

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