quarta-feira, 17 de outubro de 2012

DOM RAIMUNDO



17 de Outubro de 2012

45 – DOM RAIMUNDO

A grande floresta de Okatonga está transformada numa selva tropical e é fustigada por uma tempestade assustadora. A água cai dos céus num autêntico dilúvio e ressoa por todos os lados. As cascatas que caem do alto das árvores convertem-se em autênticos espelhos de água que escorrem ao longo dos troncos. Rios, riachos e lagos formam-se por toda a parte e começa a ser difícil descobrir por onde o Belchior avança.
O Renato pula, salta e corre muito apressado. Evita os charcos profundos, aos ziguezagues, agarra-se aos ramos e depois dá impulsos gigantescos que os lança pelos ares às dezenas de metros de cada vez.
Durante estes voos improvisados, o João Miguel aperta com toda a força as pernas ao corpo colorido do batráquio, abre os braços e faz de conta que é uma águia veloz.
- IUUUPIIIIIIII…., que sensação maravilhosa Renato! Então é assim que se sentem os pássaros quando voam por entre as nuvens? Salta, salta mais alto, salta o mais alto e o mais rápido que conseguires! Tenta alcançar as nuvens onde se forma a tempestade!
O menino está fascinado com os voos que o Renato ensaia ao tentar acompanhar o Belchior, que já mal se vislumbra. O coelho é mais ágil que uma gazela e a chuva não facilita a perseguição.
- Bolas para isto! O maluco do coelho não gosta mesmo nada de se atrasar. – exclama Renato, algo insatisfeito – Assim torna-se muito complicado segui-lo, ainda mais conhecendo a floresta como ele conhece.
Belchior anda sempre a correr por Okatonga, de um lado para o outro, desde que nasceu. Apenas lhe falta descobrir alguns dos seus recantos mais inóspitos, aqueles onde até os coelhos patetas têm receio de se aventurar.
O João Miguel continua extasiado a saborear os voos do Renato:
- IUUUPIIIIIII….! SALTA, SALTA RENATO! CONTINUA A SALTAR CADA VEZ MAIS ALTO, CADA VEZ MAIS LONGE E CADA VEZ MAIS DEPRESSA! OLHA! Já consigo ver o coelho Belchior. Está ali ao fundo a correr como um doidinho junto à margem daquele lago gigantesco.
O Renato, que consegue voar como mais nenhum sapo, não deu pela proximidade do lago e calculou mal a força que aplicou neste último voo.
Belchior abranda a corrida e olha para cima.
Vê o João Miguel montado no sapo voador a passar junto às suas orelhas em grande velocidade. O voo termina com um valente mergulho nas águas mornas do grande lago.
A tempestade tropical abranda de maneira repentina e quase já não chove.
As orelhas felpudas do grande coelho cinzento abanam embaladas pela brisa. Belchior olha para as águas do lago e tenta descobrir os seus perseguidores que ainda não regressaram à superfície.

Um, dois, três, quatro
Neste lago tão profundo
Cinco, seis, sete, oito
Do tamanho deste mundo
Nove, dez, onze, doze
Vive o velho Dom Raimundo

Um, dois, três, quatro
Se tiverem atenção
Cinco, seis, sete, oito
O Renato e o João
Nove, dez, onze, doze
Depressa o descobrirão

Ele os irá transportar
Nesta fase da viagem
Pelas águas do seu lar
Ao outro lado da margem

Vai tudo acontecer
Como está planeado
Lá estarei para os receber
Antes de terem chegado

Nas profundezas do lago gigante, uma sombra aproxima-se dos dois nadadores que acabaram de ali chegar. É o célebre Dom Raimundo.
João Miguel abre a sacola de onde tira um pequeno frasco branco de porcelana com uma rolha esférica cor-de-laranja. De olhos bem abertos e com o ar a faltar-lhe, abre-o, leva-o à boca e bebe o líquido de uma só vez.
Renato sorri. O João Miguel passou a ser tão anfíbio como ele.
O menino já pode nadar e passear pelas profundezas do lago sem nenhuma limitação.
Os olhos de Dom Raimundo brilham de satisfação. O velho jacaré não se lembra da última vez que teve visitas e está muito, muito satisfeito.
- Olá! Que dia tão maravilhoso! Estou contentíssimo por me terem vindo fazer companhia. Sou Dom Raimundo, o jacaré mais antigo do lago e um dos mais antigos habitantes de Okatonga. Estive muitos anos à espera desta visita e tenho novidades para contar.
Dom Raimundo não deixa hipóteses de fuga ao menino e ao Renato. Nada rapidamente para junto deles, abre a boca e coloca-os lá dentro sem os engolir. Depois de senti-los a rolar na sua grande língua, fecha a mandíbula sem cerrar os dentes, deixando-lhes uma abertura suficiente para que possam observar as vistas do fundo do lago por onde desliza.
João Miguel fica algo pasmado com esta atitude mas está mais interessado em tirar partido da sua capacidade de respirar debaixo de água. Os seus olhos também funcionam tão bem como os olhos dos peixes e consegue ver tudo com a mesma clareza como se estivesse à superfície. Agarrado a dois dentes colossais do velho jacaré, está genuinamente deslumbrado com a paisagem. Aqui em baixo as águas são muito límpidas. O fundo do lago está forrado por milhares de seixos coloridos, manchados como a pele dos dálmatas. Alguns deles são muito parecidos com joaninhas pois são de um vermelhão intenso salpicado de pintas negras.
O Renato está assustadíssimo com esta condição.
Ao contrário do menino, a pele do sapo perdeu todas as cores. O bicho está todo encolhido no meio da língua de Dom Raimundo e treme como uma gelatina acabada de desenformar.

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