23 de Julho de 2012
38 – A MISSÃO de JOÃO MIGUEL
- E agora, por onde começar? Zebedeu não me pode
ensinar. Vou precisar de muito tempo para me conseguir orientar. Não posso
partir nem estragar coisa nenhuma. Tenho o laboratório de Zebedeu à minha
inteira disposição. Sou mesmo sortudo! Vou ferver água num pote e depois
adiciono-lhe estas ervas. Se as ferramentas do alquimista estão ensinadas, como
ele me disse, terei de escutá-las com atenção. Era tão bom se conseguissem
falar, talvez me pudessem explicar alguns dos segredos, algumas das fórmulas ou
alguns dos complicados procedimentos para dar vida às poções. Estes livros
antigos têm as capas bastante empoeiradas. Zebedeu conhece tão bem as suas
experiências que deixou de consultar os seus compêndios de alquimia. E este
livro é grosso e tão pesado! – exclama o menino enquanto o vai abrindo.
Nele estão escritas as seguintes palavras:
“ Compreender a
natureza, reproduzir a natureza, transformar a natureza. Descobrir os processos
naturais é sinal de máxima inteligência. Os segredos alquímicos são mais antigos
do que a história da humanidade, nasceram com o homem que entendeu o fogo e o
controlou. As cinzas que dele germinaram, regeneram. O homem entendeu-as e
utilizou-as para resistir ao tempo.
Ora, lê, lê, relê,
trabalha e encontrarás.
Procura, lê e relê todos
os livros. O último livro lido ou relido mostrará os conhecimentos anteriores e
o primeiro dos livros ajudará a entender a última leitura. Depois pratica,
todos os dias e a todas as horas.
Sê paciente.
Experimenta.
Fixa-te na leitura dos
compêndios que melhor te agradem e volta a praticar a todas as horas de todos
os dias.
Mantém-te atento a todas
as transformações, aos detalhes, às linguagens da natureza.
Observa, interpreta e
procura, dia-a-dia, a todos os instantes, em todos os momentos.
Sê dedicado e
perseverante. Não te deixes tentar pela facilidade da desistência. Um
alquimista não revela os seus segredos, nem ao próprio filho, pois a sua
linguagem é única, própria, tão específica quanto complexa.
O que está em cima é
como aquilo que se encontra em baixo.
Nada desaparece nem nada
é criado, tudo é transformado e conservado, tudo é transmutado. O caos é a
ordem e a ordem é o caos.
Respeita a natureza e
todos os seus constituintes para que se possa manter a harmonia de todas as
coisas.
Reaprende a ver, a
sentir e a escutar. Observa as cores, desde o branco mais puro ao negro mais
intenso.”
O resto das páginas está em branco. João Miguel
arranca uma dessas páginas vazias e coloca-a dentro do recipiente com água
fervente. Um fumo denso e cinzento eleva-se no ar.
A água ferve por mais de duas horas. O menino
junta-lhe folhas secas de salgueiro, uma raiz de mandrágora, pétalas de rosas,
muita hortelã, e acrescenta um pouco mais de água à água fervente.
- Não sei o que aqui vim procurar? Zebedeu disse que vim
até aqui com uma ideia em mente, mas se assim foi, porque será que não me
lembro dela?
Uma voz forte e tenebrosa faz vibrar o laboratório:
- Quem és tu, senão mais uma entrada da caverna, uma
pequena centelha que se prepara para servir de ponte à escuridão. Lê todos
estes livros, come-os como se fossem maçãs, mas convence-te do que te digo;
muitas serão as vezes que atravessarás portas que não te levarão a lado nenhum.
És uma sombra, uma treva sem clarão, mas esperam-te lá em cima, como quem aguarda
a chegada do herói. Escuta-os, já reclamam a tua presença, já suplicam. Terás
de salvar os reis do reino de Okatonga. Desta caverna escura e malcheirosa, sombria
e bafienta, ascenderás como uma luminosa existência. Serás tu quem devolverá a
liberdade aos soberanos da nação, presenteando-os com a nova voz da autoridade.