01 de Julho de 2012
27 – AGONIADO
Durante a longa descida, os únicos sons que se escutam
são os dos passos do João Miguel e a sua voz a contar os degraus que vai
descendo.
- Quarenta e oito, quarenta e nove, cinquenta… - conta
o menino para si mesmo. – Já desci cinquenta degraus! Não vejo nada,
absolutamente nada, e ainda falta tanto para chegar ao fim da escadaria, ainda
não cheguei a meio e já me sinto um pouco zonzo.
A sua curiosidade faz com que se atreva a descobrir o
que se encontra do lado de fora dos degraus. Sentado no quinquagésimo degrau,
mede com as mãos a sua largura para tentar perceber onde termina. Não mede mais
de quatro palmos e termina num vazio escuro e sombrio.
Não há qualquer segurança, um corrimão, uma parede, um
muro ou um parapeito que o possa proteger. O João Miguel terá de continuar a
descer encostado, o mais possível, ao imenso pilar central da escadaria.
A temperatura desceu, está mais fresco agora do que
quando iniciou a contagem. O menino levanta-se, de novo, para continuar a
descida.
- Cinquenta e um, cinquenta e dois, cinquenta e três,
cinquenta e quatro…
Para nos degraus setenta, oitenta e noventa. Para um
pequeno instante para ganhar coragem.
Escorrega no degrau noventa e sete.
Distrai-se no degrau cento e catorze.
Fica completamente tonto no degrau cento e dezoito.
No degrau cento e vinte e um, o estômago prega-lhe uma
partida, alia-se à cabeça atordoada e o menino começa a vomitar.
Está muito agoniado, com a boca seca e a saber-lhe
mal. Resolve descansar para retemperar as forças.
- Isto é mais difícil do que parece, muito mais
difícil do que parece… e agora estou indisposto. Sinto a cabeça pesada e o
estômago a roncar. Iam saber-me tão bem as bolachas da Esmeralda, e um
interruptor qualquer que acendesse uma luz neste lugar. – desabafa o menino
antes de avançar.
- Cento e vinte e um, cento e vinte e dois? E agora?
Em que degrau comecei a vomitar? Um a mais ou um a menos não fará grande
diferença. Vou concentrar-me daqui para a frente, e quando chegar aos últimos
degraus. Cento e vinte e dois, cento e vinte e três, cento e vinte e quatro…
Para nos degraus cento e quarenta, cento e cinquenta e
cento e setenta.
Ao pisar o degrau cento e setenta e seis, um eco forte
e enervante devolve-lhe a sua voz desde o início da contagem, como se alguém
tivesse gravado as suas palavras desde esse momento até este instante.
- Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito,
nove… - e o ruído do mecanismo que fecha o acesso à imensa escadaria, ecoa com
enorme estridência.
Assustado, João Miguel não sabe para que lado se
virar. A sua voz ecoa de todos os lados, alta, forte e sibilante. O eco
retorcido faz tanto barulho que o menino tapa os ouvidos para se proteger.
Perde a noção do número do degrau em que se encontra, apenas sabe que tinha passado
pelo centésimo septuagésimo e ainda não tinha chegado ao centésimo octogésimo. Mesmo
de orelhas tapadas, consegue escutar o eco que grita o número dos degraus da descida.
O menino escuta a voz do eco contar cento e setenta e seis
antes do silêncio regressar e tomar conta da escuridão.
- Vou contar os últimos degraus da descida muito, muito
baixinho. Cento e setenta e sete, cento e setenta e oito, cento e setenta e nove…
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