20 de Julho de 2012
37 – MENINO CURIOSO
Zebedeu convida o menino a entrar. Recomenda-lhe
atenção. O laboratório está muito desarrumado e pode tornar-se perigoso.
Ali, onde o anão alquimista prepara as suas famosas
poções, existem autênticas maravilhas. João Miguel está deslumbrado, pois sabe
que nunca ninguém lá entrou.
- Como vês, não é nada de especial. Eu bem te disse!
Ias ficar desapontado. Está tudo sujo, desorganizado e malcheiroso, bem ao
contrário dos modernos laboratórios onde o brilho e a limpeza é tanta, que até
permitem comer no chão. As minhas ferramentas já estão ensinadas, apesar de
serem velhas e enferrujadas. Não sei se conseguiria trabalhar com outras, fico
aflito só de pensar nisso.
O menino julga estar a sonhar. O seu maior desejo é
vir a tornar-se num grande cientista para inventar uma máquina do tempo, ou
então, conseguir descobrir uma fórmula secreta para moldar o tempo ou produzir
nele um efeito semelhante. Assim, a avó e a mãe não mais envelhecerão e ele
pode continuar a adormecer com as histórias extraordinárias que a mãe lhe
conta. Também quer descobrir curas para muitas doenças, e deseja criar vacinas
que possam ser distribuídas pelo mundo inteiro, principalmente pelos povos dos
países mais pobres e carenciados.
- O teu laboratório é igualzinho ao que eu tinha
imaginado, Zebedeu. Tudo está no seu devido lugar, até as teias de aranha. É um
laboratório muito antigo, com muitas centenas de anos, não é verdade? Como foi
que vieste aqui parar? Como é que te tornaste um alquimista, e quem foi que te
ensinou? Terás aprendido tudo o que sabes a ler destes livros valiosos e
gastos? E porque me trouxeste até aqui? Estou muito feliz, mas continuo sem
entender porque fui eu a primeira pessoa que aqui deixaste entrar?
Zebedeu fica com uma cara muito séria. O João Miguel
faz, de facto, muitas perguntas. Ele sabia que a sua curiosidade era invulgar,
e está acima do habitual para um menino desta idade.
- Tu és mesmo muito curioso, e isso vai-te ser muito
útil daqui para a frente! Se não formos curiosos, se não tentarmos encontrar
respostas para as muitas coisas que nos preocupam e inquietam, acabamos por não
aprender nada. Isso seria uma verdadeira tragédia! Eu sou alquimista porque o
meu pai, o meu avô, o meu bisavô, o pai do meu bisavô, o avô do meu bisavô, o
bisavô do meu bisavô, e todos os outros antes deles, também foram alquimistas.
Todos os seus ensinamentos estão guardados neste pequeno laboratório,
escondidos no coração da labiríntica floresta de Okatonga. Raras são as coisas
que se encontram no seu devido lugar. Não tenho tempo nem paciência para
arrumações! Ali estão empilhados frascos e mais frascos, garrafas, caixas,
boiões, taças e campânulas, tudo amontoado até à base do grande carvalho, que
fica bem lá para cima. São dezenas de milhares de prateleiras carregadas com
centenas de milhares de poções, quase todas criações dos meus antecessores. E
lá no alto, encontram-se as do mais antigo dos alquimistas de Okatonga, meu
ilustre antepassado. Muitas vezes, ao preparar novos bálsamos e componentes, ao
experimentar poções desconhecidas, esqueço-me de dormir e fico acordado dias e
dias seguidos. Nem dou conta do passar do tempo, e também não gosto nada dele!
Um dia descobrirei um raio tão poderoso que acabarei por o destroçar. Sinto-me
cada vez mais velho e cansado, e agora abuso um pouco da bebida… ainda mais do
que do elixir da invisibilidade. Produzi centenas e centenas de litros desse
néctar, mas já quase se esgotaram. Tenho andado a desenvolver uma poção para
parar com o envelhecimento mas que não contenha o poder de invisibilidade. Ainda
não consegui! O tempo só gosta de se deixar derrotar quando estamos invisíveis.
O anão abre uma garrafa de aguardente que se encontra
abandonada no meio da mesa e leva-a à boca. Bebe metade de um só trago e limpa
as beiças à parte de trás da mão, junto ao seu pulso.
- Não tenho nada para te ensinar, meu rapaz, nem
sequer posso fazê-lo! A minha condição de alquimista não o permite. São regras
antigas! Vais ter de ser tu a descobrir o que aqui vieste procurar. Será um
mapa o que tu procuras? Desejas obter resposta para uma pergunta secreta?
Queres encontrar uma rara poção, um bálsamo valioso, uma raiz com propriedades
misteriosas? Ou será que vieste apenas à procura de um sonho muito antigo? Afinal
de contas, o que foi que te trouxe até aqui, João Miguel? – pergunta Zebedeu.
O menino não sabe o que dizer. O alquimista falou tanto
sobre coisas tão importantes, que as suas ideias ficaram momentaneamente bloqueadas.
E o anão insiste antes que as palavras saiam da boca do João Miguel.
- Tu vieste até aqui com uma ideia muito clara, não
foi? Eu sei disso porque tive de aprender a saber tudo acerca de todas as
coisas. Não te esqueças daquilo que vieste até aqui tentar encontrar. Agora vou
deixar-te. Tens de ser tu, sozinho, a investigar. A minha missão está cumprida.
Podes demorar-te o tempo todo que achares necessário, pois ele aqui não faz
nenhum sentido. Lê tudo o que precisares de ler, escreve acerca de tudo o que
necessitares de escrever, prova, ensaia, estuda, examina, investiga, retalha,
decompõe, disseca, medita, pondera, empreende, exercita e afina tudo o que
precisares de afinar, e experimenta tudo o que achares necessário experimentar.
Ali ao fundo existe uma pequena cozinha, para quando tiveres fome, e lá
encontrarás água fresca, fruta e comida. Diverte-te! Adeus, até qualquer dia!
O anão pega num pequeno frasco verde, e leva-o à boca.
Demorou menos de um segundo a desaparecer.
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