11 de Julho de 2012
36 – O LABORATÓRIO DO ALQUIMISTA
- Esta não é hora de brincar! Vieste aqui para veres o
meu local de trabalho, e não para te divertires, e foi por isso que decidi
mostrar-te o laboratório. Estou aqui sentado na minha bicicleta. Bebi a poção
da invisibilidade, por isso não me vês. – explica Zebedeu.
- Este carrossel é muito bonito, nunca vi um assim tão
espetacular. – diz o menino. – Será que posso dar umas voltinhas antes de
partirmos? Gostava tanto de montar nos cavalos e cavalgar em todos os animais.
O anão não desarma. Insiste que é importante que João
Miguel siga as suas ordens. Um selim extra nasce na bicicleta, que cresce e se
transforma num tandem de dois lugares.
- Salta aqui para trás que não temos tempo a perder.
Vou transportar-te até ao lugar que desejas conhecer.
João Miguel coloca-se em posição, no lugar traseiro, e
pedala ao ritmo imposto por Zebedeu.
O carrossel desfaz-se após as primeiras pedaladas, e
os animais que o compõem esboroam-se em minúsculas partículas de poeira
luminosa.
O teto de espelho volta a endireitar-se, tal como o
grande círculo de madeira, e remodela-se no chão interminável do corredor
espelhado.
É muito estranho ver um tandem seguir assim tão veloz,
sem condutor.
As últimas partículas de poeira luminosa desaparecem
por completo. A escuridão misteriosa está de regresso. Desta vez, o menino não
tem medos, nem receios, como aconteceu quando abriu, pela primeira vez, a
pequena porta do salão. Ele acredita que o anão vai, finalmente, levá-lo até ao
local mais secreto e importante de Okatonga.
O corredor é muito comprido, é frio, húmido, mas não
tem cheiros. O menino sente que o chão se encontra impecavelmente polido, como
se de um espelho se tratasse.
O chão é um espelho! O João Miguel não sabe porque a
escuridão é total. O chão é teto, e o teto é chão, e as paredes são o chão e o
teto, porque o corredor converteu-se num perfeito tubo espelhado enquanto
pedalavam. O corredor é agora um perfeito tubo oco feito de espelhos.
- Estamos quase a chegar, não te preocupes. Falta
pouco! – exclama o anão invisível continuando a pedalar.
Esta é, sem dúvida alguma, a casa mais bizarra de
todas aquelas que o João Miguel já visitou. Tudo nela parece ter vida própria e
acontecem coisas estranhas, como, por exemplo, esta de ele ter de pedalar o
tandem de Zebedeu na mais completa escuridão.
A poção da invisibilidade deixa de fazer efeito, e a
aura esbranquiçada do alquimista reflete-se nos inúmeros espelhos do grande
túnel. Zebedeu para de pedalar e imobiliza o tandem no meio do corredor.
- Podes sair, já chegámos! – diz o anão.
O menino desmonta a bicicleta sem compreender.
Espelhos e mais espelhos por todo o lado, um gigantesco tubo de espelhos,
longo, imenso e infinito. Afinal de contas, este lugar onde pararam é
igualzinho ao restante corredor, e ocorre a pergunta:
- Tens a certeza absoluta de que já chegámos?
O anão sorri enquanto regressa ao seu estado normal. De
pé, agarrado ao volante da bicicleta, toca por três vezes a sua campainha.
Depois, por mais três vezes, repete a função.
Após o sexto sinal sonoro, os espelhos do corredor
sobem como um pano de boca de cena. Revelam um gabinete mal iluminado, sujo,
desorganizado, desarrumado, bem mais alto do que largo e comprido.
As brasas de um fogareiro rudimentar são mantidas
vivas por um fole de ferreiro, que sopra cadenciado. Existem muitos potes de
metal e porcelana, espalhados um pouco por toda a parte. Duas balanças
imponentes captam a atenção do menino. Repousam, meio abandonadas, num dos
cantos da mesa, que ocupa quase metade do laboratório. Mais de cem velas
apagadas estão distribuídas por diversos candelabros e lustres que pendem do
alto do gabinete. O cheiro é forte, intenso, uma mistura exótica de vários
condimentos, de muitos ingredientes, de líquidos e madeiras raras, de fumos e
de metais combinados com odores de experiências já realizadas.
Semeados no tampo da grande mesa quadrangular,
encontram-se dezenas de livros, centenas de pergaminhos empilhados com fórmulas
e instruções, um recipiente com um líquido borbulhante, estatuetas de animais,
um xadrez com peças de prata, sete frascos com elixires, várias caixas com
bálsamos e cremes, catorze frascos com poções, muitas provetas e pipetas,
várias lentes, duas lupas, um estranho microscópio, panelas, pratos, jarros,
dois alguidares, duas alquitarras do tamanho do anão, uma moldura com uma
gravura colorida da Primavera de Botticelli, raízes, cascas, frutos secos,
plantas diversificadas, folhas e ramos e raízes, frascos rotulados com água da
chuva, de orvalho, de neblinas, dos rios, de oceanos, esferas, prismas e
pirâmides de vidro, um sistema ótico em forma de estrela, muitas bolas de
madeiras aromatizadas, uma miniatura automatizada do sistema solar, uma caixa
de música, um lindíssimo bonsai, um cérebro humano desenhado num papiro, um
livro intitulado “interpretação dos sonhos”, uma caixa de ovos vazia, cestos
empilhados, vários mapas enrolados em cilindros, duas máscaras de proteção, uma
gaita-de-foles, uma miniatura de uma cítara, um crânio humano, uma luva de
cabedal, uma ampulheta partida, copos tombados, canetas e aparos e tinteiros
abandonados e quatro garrafas de aguardente, e tantas coisas estranhas das quais
o menino nem sabe dizer os nomes.
O João Miguel quase não acredita em tudo o que os seus
olhos veem.
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