quarta-feira, 4 de julho de 2012

SALA DE ESPELHOS


04 de Julho de 2012

30 – SALA DE ESPELHOS


Um grande MIAUUU ecoa na escuridão vindo do alto da imensa galeria. Um longo MIAUUU, muito alto e estridente, acompanhado do eco metálico do mecanismo de abertura. O gato foi-se embora, deixando o menino sozinho, trancado na escuridão.
- Dava-me muito jeito ter uns olhos luminosos como os do Sarmento. Nem lhe agradeci as deliciosas bolachas. São parecidas com as de Esmeralda mas não têm o mesmo sabor. Esta sabe a frango assado no forno, e a que comi antes sabia a arroz de lulas. Que bolachas tão apetitosas! – exclama o João Miguel.
Um denso nevoeiro, azul acinzentado, invade a galeria, provocando arrepios ao menino. Fica completamente cercado por esta névoa gelada por onde só os morcegos conseguem avançar. Ouvem-se os silvos de muitos deles que chegam com a imprevista neblina. A estes também se juntam os guinchos de alguns ratos e ratazanas que escaparam ao Sarmento. A galeria foi invadida por centenas destes animais voadores e pelos seus companheiros rastejantes, que lançam ruídos enervantes. Os ratos e ratazanas aproximam-se perigosamente do João Miguel enquanto centenas de morcegos voam por cima da sua cabeça.
O menino para de comer. Talvez tenham sido as migalhas das suas bolachas a atrair tanta bicharada. Os guinchos e os silvos estão quase em cima dele quando, inesperadamente, uma chave entra numa das fechaduras metálicas da velha porta de madeira, dando duas voltas e depois mais duas.
Os ruídos dos animais desaparecem por completo.
Uma segunda chave entra na outra fechadura e mais quatro voltas se escutam antes da porta se abrir.
Dos morcegos e das ratazanas, nenhum sinal.
- NÃO GOSTO DE RATOS, DE JEITO NENHUM! Não gosto de ratos nem de morcegos. São uma autêntica praga, e são os únicos animais de Okatonga que se atrevem a descer até aqui. O frio e o mau-cheiro não os incomodam. Já lhes mandei tirar os olhos, mas mesmo assim ainda conseguem cá chegar. Maldita bicharada, cega e irritante. Nem o Sarmento dá conta do recado. Entra, de que é que estás à espera, João Miguel? Entra, se tens assim tanta vontade. Vais finalmente conhecer o Zebedeu da história da tua mãe.
O menino fica espantadíssimo com o aparecimento repentino do famoso anão alquimista. A porta está aberta e ele entra, sem hesitar, em dois saltos dados com grande agilidade. As duas chaves que abriram a velha porta de madeira, voltam a fechá-la novamente.
A primeira coisa de que João Miguel dá conta, é que não existe apenas um espelho nesta casa. Todas as paredes são feitas de espelhos. Existem reflexos do menino espalhados pelo chão, pelo teto, e por todas as paredes da salinha de entrada. Não existe mais nada aqui para além de espelhos. São mais de vinte imagens de si, refletidas em outros tantos espelhos, e mal a porta velha se trancou, num espelho também se transformou.
- Então João Miguel, de que é que estás à espera? – pergunta-lhe o seu reflexo que se encontra por debaixo das negras botas militares. – Não tenhas medo de Zebedeu! Porque o deixaste desaparecer? Se vieste até aqui é porque o desejas conhecer, não é verdade? Então, de que é que estás à espera? Eu assim já não te entendo. – e mal o seu reflexo acaba de dizer estas palavras, o chão transforma-se num soalho gasto, antigo e muito empoeirado. As pegadas do anão alquimista estão agora bem visíveis, marcadas na sujidade, e são fáceis de seguir.
- Que casa tão estranha! Para onde terá ido o Zebedeu? Será que está no final destas pegadas? – pergunta João Miguel – Zebedeu? Zebedeu? Onde estás tu, Zebedeu? Posso entrar?
E uma voz, não muito distante, diz-lhe que sim, que pode entrar, que já devia ter entrado há muito tempo, e que foi para isso que Zebedeu lhe foi abrir a porta.
- Não te consigo descobrir com tantas paredes de espelho. Só me vejo a mim e a mais trinta eus. Vou seguir as tuas pegadas para te tentar encontrar.

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