terça-feira, 24 de julho de 2012

A MISSÃO de JOÃO MIGUEL



23 de Julho de 2012

38 – A MISSÃO de JOÃO MIGUEL


- E agora, por onde começar? Zebedeu não me pode ensinar. Vou precisar de muito tempo para me conseguir orientar. Não posso partir nem estragar coisa nenhuma. Tenho o laboratório de Zebedeu à minha inteira disposição. Sou mesmo sortudo! Vou ferver água num pote e depois adiciono-lhe estas ervas. Se as ferramentas do alquimista estão ensinadas, como ele me disse, terei de escutá-las com atenção. Era tão bom se conseguissem falar, talvez me pudessem explicar alguns dos segredos, algumas das fórmulas ou alguns dos complicados procedimentos para dar vida às poções. Estes livros antigos têm as capas bastante empoeiradas. Zebedeu conhece tão bem as suas experiências que deixou de consultar os seus compêndios de alquimia. E este livro é grosso e tão pesado! – exclama o menino enquanto o vai abrindo.
Nele estão escritas as seguintes palavras:
Compreender a natureza, reproduzir a natureza, transformar a natureza. Descobrir os processos naturais é sinal de máxima inteligência. Os segredos alquímicos são mais antigos do que a história da humanidade, nasceram com o homem que entendeu o fogo e o controlou. As cinzas que dele germinaram, regeneram. O homem entendeu-as e utilizou-as para resistir ao tempo.
Ora, lê, lê, relê, trabalha e encontrarás.
Procura, lê e relê todos os livros. O último livro lido ou relido mostrará os conhecimentos anteriores e o primeiro dos livros ajudará a entender a última leitura. Depois pratica, todos os dias e a todas as horas.
Sê paciente.
Experimenta.
Fixa-te na leitura dos compêndios que melhor te agradem e volta a praticar a todas as horas de todos os dias.
Mantém-te atento a todas as transformações, aos detalhes, às linguagens da natureza.
Observa, interpreta e procura, dia-a-dia, a todos os instantes, em todos os momentos.
Sê dedicado e perseverante. Não te deixes tentar pela facilidade da desistência. Um alquimista não revela os seus segredos, nem ao próprio filho, pois a sua linguagem é única, própria, tão específica quanto complexa.
O que está em cima é como aquilo que se encontra em baixo.
Nada desaparece nem nada é criado, tudo é transformado e conservado, tudo é transmutado. O caos é a ordem e a ordem é o caos.
Respeita a natureza e todos os seus constituintes para que se possa manter a harmonia de todas as coisas.
Reaprende a ver, a sentir e a escutar. Observa as cores, desde o branco mais puro ao negro mais intenso.”
O resto das páginas está em branco. João Miguel arranca uma dessas páginas vazias e coloca-a dentro do recipiente com água fervente. Um fumo denso e cinzento eleva-se no ar.
A água ferve por mais de duas horas. O menino junta-lhe folhas secas de salgueiro, uma raiz de mandrágora, pétalas de rosas, muita hortelã, e acrescenta um pouco mais de água à água fervente.
- Não sei o que aqui vim procurar? Zebedeu disse que vim até aqui com uma ideia em mente, mas se assim foi, porque será que não me lembro dela?
Uma voz forte e tenebrosa faz vibrar o laboratório:
- Quem és tu, senão mais uma entrada da caverna, uma pequena centelha que se prepara para servir de ponte à escuridão. Lê todos estes livros, come-os como se fossem maçãs, mas convence-te do que te digo; muitas serão as vezes que atravessarás portas que não te levarão a lado nenhum. És uma sombra, uma treva sem clarão, mas esperam-te lá em cima, como quem aguarda a chegada do herói. Escuta-os, já reclamam a tua presença, já suplicam. Terás de salvar os reis do reino de Okatonga. Desta caverna escura e malcheirosa, sombria e bafienta, ascenderás como uma luminosa existência. Serás tu quem devolverá a liberdade aos soberanos da nação, presenteando-os com a nova voz da autoridade.

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