segunda-feira, 2 de julho de 2012

OLHOS BRILHANTES


02 de Julho de 2012

28 – OLHOS BRILHANTES


O João Miguel está próximo do fim da escadaria. A temperatura baixou bastante e um cheiro pestilento, um podre com odores a esgoto, faz-se sentir e torna difícil a respiração.
- Cento e noventa e oito, cento e noventa e nove, duzentos! Falta pouco! A Esmeralda disse-me para contar duzentos e vinte e dois degraus antes de chegar à porta da casa de Zebedeu. Mas que cheiro nojento, insuportável, e faz tanto frio. Isto deixou de ter graça, não tem mesmo graça nenhuma. Mas porque é que tem de ser assim tão difícil chegar à porta de casa do alquimista?
O João Miguel distrai-se, e volta a falar num tom de voz normal. O eco devolve-lhe as palavras com uma estridência irritante.
- … NÃO TEM GRAÇA, NÃO TEM GRAÇA NENHUMA, MAS PORQUE É QUE TEM DE SER ASSIM TÃO DIFÍCIL CHEGAR À PORTA DE CASA DO ALQUIMISTA… ?
Volta a tapar os ouvidos.
Esfrega os braços e as pernas para se aquecer.
Respira devagar para evitar os maus cheiros.
Pensa voltar a subir para não mais descer.
As palavras de Esmeralda acendem-se na sua memória como se fossem luminosas e coloridas.
- Promete-me que não sobes as escadas sem teres falado com o anão alquimista. – disse a menina. - Promete-me que não sobes as escadas antes de conheceres e falares com Zebedeu! É importante que assim o faças, é importante que assim o faças, é importante que assim o faças… - e o eco, que antes só tinha devolvido sons e palavras produzidos pelo João Miguel, repete agora as últimas palavras de Esmeralda, alto e a bom som:
- É IMPORTANTE QUE ASSIM O FAÇAS, É IMPORTANTE QUE ASSIM O FAÇAS, É IMPORTANTE QUE ASSIM O FAÇAS!
O menino vira-se de novo na direção da descida e conta a correr os últimos vinte e dois degraus.
Cai, desamparado, depois de contar o último degrau.
- AUUU! Bolas! Devia ter sido cuidadoso nesta fase da descida. Pelas minhas contas, não faltava nenhum degrau, e por isso caí. O chão está tão gelado, e é áspero como as lajes de pedra do pátio interior. Dói-me a cabeça, estou com fome e trago a boca seca. Está frio, está escuro, cheira horrivelmente mal e não faço ideia nenhuma onde estou. Magoei o tornozelo e nem as botas me protegem.
O João Miguel sente-se só, muito só e abandonado. Nunca se tinha sentido assim tão perdido. Este é o pior lugar onde já esteve.
Pensa na mãe, pensa na sua cama confortável e quente e pensa na avó Dulce. Este lugar deixa, por instantes, de lhe parecer assim tão assustador.
Tenta manter-se calmo.
Tenta não chorar. Afinal de contas, ele é um menino corajoso e aventureiro, e meninos assim não se deixam derrotar por acontecimentos como este. O pior de tudo é mesmo o mau-cheiro que torna o ar denso, espesso, irrespirável.
Aqui em baixo não se consegue ver nada.
O menino não quer afastar-se do lugar onde caiu pois sabe que a escadaria está bem perto. Se não conseguir resistir à fome, ao frio e aos maus-cheiros, terá de subir as escadas e contrariar as instruções de Esmeralda.
As escadas são a sua única companhia. Ele senta-se no último degrau.
- Estou perdido neste lugar onde, supostamente, mora Zebedeu. Quanto tempo demorará até abrir a porta? – pergunta o João Miguel.
Ruídos de passos escutam-se ao longe.
Um cada vez mais audível ruído de passos escuta-se na perfeição.
Anda alguém por aqui a deslocar-se na sua direção. O João Miguel não se encontra sozinho.
Será Zebedeu? Será o famoso anão alquimista? Quem poderá ser?
O barulho destes passos informa que o misterioso viajante está a curtíssima distância de João Miguel.
- Olá! Não te assustes! Vou fazer brilhar os meus olhos para iluminar este lugar. – diz uma voz familiar junto à escadaria onde o menino se encontra sentado.
Duas luzes esverdeadas piscam na escuridão. Duas luzes verdes, de média intensidade, alumiam o imenso espaço que agora se começa a vislumbrar.
As luzes são bonitas e não ferem os olhos do menino, que se habituam à estranha claridade. Assim que a visão fica restabelecida, a sua primeira sensação é de espanto, ao entender a quem pertencem, afinal, os olhos luminosos.
- SARMENTO?????!! És mesmo tu, Sarmento! Mas, … mas, o que é que estás aqui a fazer? – pergunta o João Miguel, muito admirado e satisfeito com a presença do gato-guarda neste lugar tão sombrio.



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