terça-feira, 29 de maio de 2012

CHEIRINHO A CHOCOLATE



28 de Maio de 2012

16 – CHEIRINHO A CHOCOLATE


Os animais ficaram alterados desde que os odores a chocolate invadiram o salão.
- Mestre Tino, descobri um pedaço de cristal partido junto à porta vermelha. Por pouco não me cortei! – exclama Amora por entre duas lambidelas ao leite derramado.
- Descobri outro pedaço de cristal junto à porta vermelha, Mestre Tino. Por pouco não me cortei. – explica Aroma com os bigodes a pingar leite de cabra fresco.
- Descobrimos muitos pedaços de cristal espalhados pelo chão e por pouco não nos cortámos! – insistem os gatos siameses enquanto limpam com as línguas os restos de leite que ainda molham o soalho.
Mestre Tino está descontrolado. O odor intenso a bolo de chocolate entra-lhe pelas narinas. Os olhos mudam de cor, as pupilas dilatam e na boca imensa nasce um oceano de saliva. É tanta a água que lhe sai pela boca que logo o salão fica inundado. A sua língua rosada anseia pela primeira fatia do bolo que nunca mais chega.
Os outros animais também salivam abundantemente pela boca e trazem as línguas de fora. Os olhos mudam de cor, as pupilas dilatam e até Belchior, que já se encontra sentado, se baba como um pequeno bebé de colo.
- TRAGAM IMEDIATAMENTE O BOLO DE CHOCOLATE! – grita Mestre Tino – TRAGAM-NO JÁ OU CORTO-VOS AS CABEÇAS!
- Credo! – exclama João Miguel muito incomodado – Nenhum bolo é motivo para que se corte a cabeça de alguém. Eu já matei a fome com as deliciosas bolachas que me ofereceram, Mestre Tino, e o leite fresco também estava muito bom. Não mande cortar cabeças por causa de um pequeno atraso num bolo de chocolate, por favor!
O buldogue está enfurecido e não escuta até ao fim as palavras do menino. Salta da sua poltrona, desembainha uma luzidia espada de lâmina afiada e corre desalmado na direção da sala por onde sai o perfume achocolatado e vocifera:
- É AGORA, É AGORA QUE AS VOSSAS CABEÇAS VÃO ROLAR! AS MINHAS ORDENS SÃO PARA CUMPRIR E EU ORDENEI QUE O BOLO FOSSE SERVIDO!
A raposa Judite, o macaco Isidoro, o gato Medina, os siameses Aroma e Amora, o porco Baltasar e até o coelho Belchior tentam segurar o grande cão que brande a espada por cima da cabeça em repetidos movimentos circulares.
A maior das barafundas está instalada junto à salinha. A preocupação dos animais é a de não serem feridos pela espada rodopiante de Mestre Tino. Tentam evitar que o grande cão corte a cabeça aos cozinheiros. Ninguém faz bolos de chocolate mais saborosos do que eles!
Esmeralda aproveita a confusão para se aproximar da cadeira onde João Miguel está sentado e faz-lhe sinais com as mãos para que desça. O menino obedece! Agarra-se com todo o cuidado à alta cadeira e desce fazendo força com os braços e com as pernas como um hábil alpinista.
- Agora, vamos! Temos de fugir mal as ruas e todos os edifícios voltem a mexer-se e a transformar-se. Vão crescer, encolher, esticar e rodopiar. O teto e estas quatro paredes vão-se abrir e assim que isso aconteça, nós corremos a toda a velocidade na direção da floresta! Lá estaremos em segurança.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

PANCADARIA



22 de Maio de 2012

15 – PANCADARIA


O macaco Izidoro leva o copo de leite à boca e salta-lhe metade do líquido para o corpo, tal é a sua sofreguidão.
O porco Baltazar fica todo molhado com o leite que Izidoro derrama para cima de si. Grunhe de descontentamento e cospe uma nuvem de migalhas para a cara do macaco que logo lhe puxa o focinho.
A raposa Judite aproveita a ocasião para retirar as bolachas dos pratos de Izidoro e de Baltasar. Ela tem muita fome e como eles estão mais preocupados em guerrear do que em comer, assim procede.
Aroma e Amora lançam olhares enfurecidos à raposa enquanto ela mastiga as bolachas que acabou de furtar. Com a boca cheia, retribui aos gatos siameses olhares trocistas e provocadores.
Quem permanece alheio a toda esta barafunda é o gato Medina que bebe o leite e mastiga a sua última bolacha com toda a delicadeza. Depois de terminar a refeição, limpa os cantos da boca e os longos bigodes grisalhos e observa a luta entre o porco e o macaco que se vão mordendo com ferocidade.
O Mestre Tino sorri de satisfação, palita os dentes com um pequeno garfo de prata e para melhor acompanhar a briga, coloca as patas em cima da mesa que vai servindo de ringue.
- Então, o que estão a achar do combate? Com o Izidoro nunca há monotonia. Não existe ninguém como ele em toda a Okatonga! Nunca nos deixa ficar mal. Comam e bebam à vontade, não façam cerimónia! Enquanto o bolo de chocolate recheado não chega, entretenham-se com umas bolachinhas e com o leite fresco acabado de ordenhar.
O duelo entre o macaco e o porco faz com que as travessas, os pratos, os talheres e os copos voem pelo salão derramando leite por todo o lado.
Izidoro e Baltasar lutam com fervor, usam tudo o que encontram em cima da mesa como armas de arremesso. Aroma e Amora descem das cadeiras e lambem o leite entornado no chão. A raposa Judite entretém-se a limpar o seu focinho delgado que está semeado de migalhas. A longa e aguçada língua executa a tarefa na perfeição.
João Miguel e Esmeralda estão sentados ao lado de Mestre Tino, em duas cadeiras de pernas muito altas e esguias. O buldogue continua divertidíssimo a lançar sonoras gargalhadas e a bater com as duas patas na mesa. O combate ganha tamanha violência que duas bandejas escapam das mãos do Izidoro e atingem com força a cabeça do Medina e do coelho Belchior. Esse golpe era dirigido ao porco Baltasar que se diverte imenso com a situação. O gato-guarda salta para cima do macaco e arranha-lhe a cara bufando sem piedade. Belchior tomba para o meio do chão com um imenso galo no meio da testa cinzenta.
O salão está literalmente virado do avesso! No meio desta enorme confusão, os três animais derrubam a caixa dourada em forma de escaravelho que o Mestre Tino mantinha à sua frente, fazendo-lhe saltar a tampa. Os insetos rastejantes recomeçam a sair do seu interior e invadem o salão. Passeiam pelo leite derramado, pelas línguas de Aroma e Amora, pelas suas pernas magras e pelos seus bigodes. Esmeralda não se consegue controlar e salta da cadeira para dançar no soalho a sua coreografia predileta, repetindo vezes sem conta a estranha lengalenga:
- Detesto estes bichos nojentos e o barulho que fazem quando os pisamos. Detesto estes bichos nojentos e o barulho que fazem quando os pisamos.
A raposa Judite, o Mestre Tino e o João Miguel são agora os únicos sentados à mesa. Um cheiro intenso e delicioso começa a invadir o salão vindo da salinha ao lado. É tão agradável, tão perfumado que até os insetos param para o inalar.
- Delicioso! Absolutamente delicioso! – exclama Mestre Tino com água na boca. – Tal e qual o João Miguel gosta. Está recheado com um aveludado chocolate derretido que nos faz chorar por mais. Sirvam-nos lá de uma vez essa soberba iguaria para que possamos terminar o nosso esplêndido pequeno-almoço! – ordena o grande buldogue muito satisfeito.

Um, dois, três, quatro, semeada a trapalhada
Cinco, seis, sete, oito, com a valente pancada
            Nove, dez, onze, doze, tenho a cabeça abalada

Um, dois, três, quatro, de olhar esbugalhado
Cinco, seis, sete, oito, o Belchior, que é coelho
            Nove, dez, onze, doze, esmagou um escaravelho

segunda-feira, 21 de maio de 2012

MESTRE TINO



20 de Maio de 2012

14 – MESTRE TINO


Do outro lado os barulhos aumentam.
João Miguel abre a porta, segue pela salinha até chegar ao grande salão.
Um enorme buldogue vestido com camisa e calças roxas, manto negro e ar feroz encontra-se sentado num dos topos de uma comprida mesa retangular. No centro da mesa está uma robusta vela branca acesa. À frente do cão encontra-se uma caixa dourada, destapada, com a forma de um escaravelho por onde saem dezenas desses insetos. Esmeralda continua atarefada junto à porta vermelha, a pisar os bicharocos sempre que estes chegam ao chão e se aproximam de si.
- Detesto estes bichos nojentos e o barulho que fazem quando os pisamos, detesto estes bichos nojentos e o barulho que fazem quando os pisamos. – repete Esmeralda sempre que um deles guincha pela última vez debaixo dos seus pés.
O coelho Belchior está sentado na outra cadeira do topo da mesa. Tem um ar assustado e os seus olhos pestanejam quando os escaravelhos guincham.
Ao redor da imensa mesa estão sentados mais seis animais. Bebem leite e comem bolachas de travessas iguais àquela que Esmeralda usou para servir o João Miguel. Do lado direito da mesa estão sentados os gatos siameses Amora e Aroma e também o gato Medina. Do lado esquerdo estão sentados o porco Baltasar, o macaco Izidoro e a raposa Judite, entretidos a mastigar as suas bolachas e a beber leite de cabra fresco por bonitos copos de cristal.
O grande buldogue é o Mestre Tino, que se entretém a fornecer alimento para o estranho bailado de Esmeralda. Ao manter aberta a caixa dourada por onde saem os escaravelhos, uns atrás dos outros, não lhe dá qualquer descanso. Os insetos passeiam pelos pratos, pela toalha gasta da mesa, por entre as travessas, por cima das bolachas e pelo meio dos copos, descem pelas pernas de bilros até ao soalho onde Esmeralda os recebe e esmaga.
- Detesto estes bichos nojentos e o barulho que fazem quando os pisamos.
O macaco Izidoro descobre o João Miguel que espreita junto à outra porta do salão. Dá um salto da cadeira tão grande que fica frente-a-frente com o menino.
- Queres beber leite connosco? Pergunta o macaco em tom jocoso. – Vem sentar-te à nossa mesa, isto não é um convite, é uma ordem, caso não tenhas entendido.
O menino está espantadíssimo com tanta agitação. Os barulhos irritantes, alternados e ritmados são provocados pelas patas dos escaravelhos que batem na madeira do soalho ao caminhar. O som forte, martelado que se sobrepõe a todos os outros acontece sempre que Esmeralda falha um inseto e os guinchos surgem quando ela lhes consegue acertar.
Mestre Tino resolve fechar a caixa e os insetos desaparecem todos pela frincha da porta vermelha em direção ao exterior. O buldogue espreguiça-se e fala com Izidoro:
- Volta para a mesa de onde não devias ter saído! Acaba de beber o leite e de comer as tuas bolachas! Ninguém sai desta mesa sem terminar a refeição! Mas que macaco tão mal comportado. E a menina Esmeralda já pode parar com a dança! O bailado não faz sentido agora que fechei a caixa e o seu amigo regressou! Venham sentar-se os dois à mesa, sou eu quem convida e não sou brusco com as palavras como o tolo do Izidoro. Vou mandar fazer bolo de chocolate recheado para o nosso convidado. Ouvi dizer que é a sua sobremesa predileta.
O grande buldogue é o cão mais imprevisível de Okatonga, e também é meio louco. Tem a mania que é Presidente e que manda em tudo e em todos. Tem mesmo a mania de possuir mais poderes e mais sabedoria que o próprio anão Zebedeu. Depois do alquimista desaparecer, Mestre Tino e a sua matilha roubaram todos os frascos e poções que o anão doou à cidadela. É desse tesouro que ele se tem servido para reinar em Okatonga. O boldogue ofereceu cargos importantes aos animais que aqui se encontram e agora seguem-no para todo o lado, obedecendo-lhe cegamente.
Belchior é uma espécie de ministro, o gato Medina é o chefe da alfândega e da muralha da cidadela, os gatos Amora e Aroma são responsáveis pela manutenção do património, o porco Baltasar tem a seu cargo as questões agrícolas, a raposa Judite toma conta de todos os outros assuntos, sejam eles quais forem, e o macaco Izidoro serve para divertir o Mestre Tino.
Esmeralda olha para o João Miguel e não acredita que ele tenha voltado para trás. Ele não devia estar ali, muito menos agora que Mestre Tino chegou. Esmeralda dá-lhe a mão e segreda-lhe ao ouvido com voz receosa:
- Eu não te disse para tu seguires as instruções do gato Sarmento? Eu disse-te, eu avisei-te, e agora… agora já não há mais nada a fazer!

sexta-feira, 18 de maio de 2012

MISSÃO DE RESGATE



18 de Maio de 2012

13 – MISSÃO DE RESGATE


O gato vai gritando bem alto junto à saída do longo corredor. Vai dando indicações ao João Miguel que fica mais tranquilo por saber que o Sarmento está ali para o ajudar.
- Vem por aqui! Segue a minha voz sem receios. Deves estar bem perto da saída. Habitua-te à luz e não corras até voltares a ver bem todas as coisas.
A voz do Sarmento e a luminosidade exterior tornam-se cada vez mais fortes e indicam a proximidade da saída do imenso túnel.
É grande a surpresa do menino ao descobrir o gato-guarda. Sarmento tem um ar bem mais assustador do que da primeira vez que se encontraram. O João Miguel encolheu, ficou muito mais pequeno e o felino ganhou imponência e impõe muito respeito. Mas o que mais o impressiona são as suas grandes patas, com garras afiadas como punhais, que o gato vai raspando na lança enquanto olha para o João Miguel.
O gato olha para ele e ele para o gato.
Ninguém fala, ninguém se mexe.
Ao fundo, atrás do menino, vindo do interior do comprido túnel, ouve-se um barulho irritante como se dezenas de milhares de palitos estivessem a bater no chão do corredor de forma alternada e ritmada.
O Sarmento coça a barriga redonda e pergunta:
- Sabes, meu rapaz, quem provoca estes ruídos que crescem no interior do corredor por onde escapaste?
O menino não faz a mais pequena ideia e responde com voz inocente:
- Não, não sei! Mas agora que escuto com mais atenção, fazem-me lembrar os sons das cascavéis quando assinalam a sua presença.
Sarmento ganha um ar ainda mais solene, retorce os bigodes com a pata esquerda e informa:
- Não são cobras, mas também podiam ser …, são escaravelhos esfomeados à procura de alimento e a avançar unidos como um pelotão de combate preparado para guerrear. É melhor fugirmos daqui! Salta para as minhas costas antes que os insetos nos descubram.
Com uma grande destreza, o João Miguel sobe para o confortável dorso do gato Sarmento desejando que aquele exército rastejante não os alcance. Segura-se ao pescoço do gato-guarda como um valente cavaleiro e desaparecem no interior da floresta de Okatonga num passo muito apressado.
Mal o felino ganha maior velocidade, o menino lembra-se de Esmeralda. Afinal de contas, ela ainda está dentro do túnel que acabou de ser invadido por escaravelhos esfomeados e repugnantes. A sua amiga corre perigo e ele tem de fazer alguma coisa para a ajudar.
- Para, Sarmento! Para! Temos de regressar. A Esmeralda ficou sozinha no corredor e, a ser verdade o que me disseste, devemos voltar atrás para a defender.
O gato não lhe dá nenhuma atenção e continua a correr pelo interior da floresta. O menino fica impaciente e insiste:
- Ouviste o que te pedi Sarmento? Para! Para imediatamente! Precisamos de regressar para ajudar Esmeralda. Os escaravelhos esfomeados são insetos muito perigosos. Ela precisa da nossa proteção! – mas o felino corre ainda mais depressa depois do novo apelo do João Miguel, que não se deixa derrotar e insiste:
- PARA! PARA DE CORRER Ó GATO MALUCO!! A ESMERALDA CORRE PERIGO DE VIDA E NÓS TEMOS DE A IR SALVAR!
De nada servem as palavras fornecidas aos berros junto às orelhas do animal. O Sarmento parece que foi picado por abelhas furiosas e continua a correr a uma velocidade estonteante.
Com uma coragem do tamanho do mundo, o menino resolve largar o pescoço do gato e salta do alto das suas costas de olhos fechados. Voa, projetado pelos ares, ao longo de alguns metros e acaba por cair numa pequena e entufada elevação de terreno, sem se magoar. O gato Sarmento não dá conta da situação e desaparece pelo meio do arvoredo.
O João Miguel está de novo sozinho, mas agora tem uma missão a cumprir. Deve regressar o quanto antes ao corredor escuro para salvar a Esmeralda dos famintos escaravelhos. A queda acrescentou mais medalhas esburacadas às calças de pijama que a avó Dulce lhe ofereceu.
São muitas as marcas deixadas pelas passadas do Sarmento e dão pistas suficientes para o menino saber o caminho que tem de seguir.
As árvores, as flores, os galhos, as pedras e os muitos troncos velhos que por ali se encontram espalhados são colossais. Para o João Miguel todas as coisas ficaram bem mais crescidas. Mas não será por este motivo que ele desistirá. Não será por isto que Esmeralda deixará de contar com a sua ajuda.
O menino do pijama e das botas negras corre agora bem mais depressa do que correu quando perseguiu Belchior pela segunda vez. Corre como o vento, corre como os ciclones, corre como os furacões, corre tão depressa que num instante volta a encontrar a entrada do túnel de onde há bem pouco acabara de sair.
Antes de entrar, inclina a cabeça para a esquerda e coloca o ouvido em posição. Desta vez não escuta nenhum barulho. O silêncio reina no interior da escuridão.
- Vou entrar, está decidido! Foi por isso que regressei! – e sem ponta de medo o valente João Miguel desaparece no escuro corredor com grande rapidez. As botas negras são muito confortáveis e ótimas para cumprir a missão. Apesar de sentir saudades dos seus chinelos, sabe-lhe bem poder contar com estas novas aliadas, principalmente se algum desses insetos rastejantes o desejar atacar.
O escuro e a humidade fazem-lhe companhia na zona mais apertada do túnel. Depois disto, como recorda, surgirão vinte degraus e o corredor ganhará luz. Em seguida terá de continuar a subir bastantes metros até tudo se tornar bem menos íngreme a estrangulado, até que num lugar muito próximo da habitação tudo se alargará num pequeno hall onde se encontra a porta de entrada, ou de saída, conforme ali se chegue ou dali se abale.
E dos barulhos, nenhum sinal.
João Miguel sobe agora as escadas que o levam até onde o corredor se ilumina. Avança, sempre a subir, e a subir, e a subir… até que o túnel deixa de ser íngreme e volta a ser sereno.
E dos barulhos, nenhum sinal.
Continua, em passos mais ligeiros, pela parte mais larga do imenso corredor. Vê a porta, lá ao fundo, a mesma por onde Esmeralda o puxou por um braço.
E dos barulhos, nenhum sinal.
Corre estes últimos metros tão depressa que quase tomba.
Chega cansado à grande porta e antes de rodar a bonita maçaneta de cobre volta a escutar estranhos barulhos que soam por detrás dela.
Os ruídos irritantes, alternados e ritmados são agora acompanhados por um outro barulho martelado e compassado, muito mais forte, que a eles se sobrepõe.
De vez em quando, escutam-se também guinchos agudos que saem por debaixo da fresta da velha porta de carvalho que lhe falta atravessar.


sábado, 12 de maio de 2012

ESCARAVELHOS




12 de Maio de 2012

12 – ESCARAVELHOS


A casa parou de se mexer logo após Esmeralda ter fechado a porta vermelha.
A boca do João Miguel ainda sente o travo amargo e ácido da bebida que o fez diminuir de tamanho. Os dois ficaram da mesma altura e o menino não consegue parar de pensar no que lhe aconteceu, tal e qual como na história da Alice no País das Maravilhas, e ele exclama:
- Pois claro! Só pode mesmo ser por causa disso! Eu pedi à mãe uma história com uma festa parecida com aquele chá que foi servido pelo Chapeleiro Louco no original da Alice.
Mas aqui em Okatonga, nada tem sido aquilo que parece e a sua barriga começa a roncar desgovernada.
A sala daquela casa para onde Esmeralda o puxou é muito escura. As portadas das duas janelas estão fechadas. São imponentes e deixam passar um delgado fio de luz por uma pequena frincha que ilumina a divisão. Conseguem-se distinguir as madeiras velhas e compridas do soalho, umas paredes muito sujas e antigas e a porta de entrada que também é vermelha no interior. Existe ainda uma outra porta entreaberta do outro lado do salão.
- Tenho fome Esmeralda! Não como nada desde que cheguei. Será que nesta casa não há nada para comer? – pergunta o menino cheio de apetite.
Esmeralda não responde. Sai pela porta que se encontra entreaberta e regressa, passado alguns momentos, com uma bandeja de prata em forma de elipse. Um copo de leite e um prato com quatro bolachas balançam na travessa que a menina deposita no chão junto aos pés do João Miguel. Nela repousa também um pequeno guardanapo branco de um linho imaculado.
- Toma! Come estas bolachas e bebe este leite de cabra. Foi tudo o que consegui arranjar! – explica Esmeralda – Mas come depressa, tu não imaginas o perigo que corremos. As coisas mudaram bastante em Okatonga desde que o anão alquimista desapareceu. Tudo se transformou, tanto na cidadela como na nossa floresta, e nada funciona como antigamente.
O João Miguel toma muita atenção às palavras de Esmeralda enquanto trinca a terceira bolacha. Cresceram-lhe também uns longos bigodes brancos por debaixo do seu pequeno nariz.
- Obrigado Esmeralda, tu és muito simpática! Estava mesmo com muita fome e ainda estou um pouco zonzo por causa do rápido encolhimento. As tuas bolachas são deliciosas e o leite fresco também.
A casa é sombria e bafienta. Teias de aranha enfeitam cada um dos cantos do teto, enfeitam também os rodapés por onde passeiam alguns escaravelhos. A menina entretém-se a perseguir os escaravelhos que circulam um pouco por todos os cantos do soalho e nos rodapés enquanto vocifera:
- Detesto estes bichos nojentos e o barulho que fazem quando os pisamos. Por alguma estranha razão, desde que as nossas ruas e as nossas casas começaram a movimentar-se, surgiram cada vez mais escaravelhos. São uma autêntica praga em Okatonga. E eu detesto-os e detesto-me por não conseguir parar de os pisar.
O barulho que os insetos fazem quando rebentam é repugnante, e Esmeralda parece divertida a pisar os escaravelhos como se de um jogo se tratasse.
O João Miguel acaba de comer as bolachas e de beber o leite. A fome amansou e Esmeralda puxa-lhe novamente pelo braço até a outra sala onde nasceu um imenso corredor, igualmente sombrio e bafiento, que desce e se alonga por algumas centenas de metros. A partir de uma determinada altura, torna-se mais estreito, mais húmido e mais escuro, as paredes tornam-se redondas e o chão escorregadio, acabando finalmente por se transformar num imenso túnel.
- Escuta o que te vou dizer João Miguel. Tu tens de ser corajoso e sair da cidadela através deste túnel antes que o Mestre Tino te descubra. Nenhum visitante está em segurança. O Belchior tem andado a atrair os visitantes a Okatonga para depois os entregar ao Mestre Tino. Ninguém sabe o que lhes acontece. Os visitantes que aqui chegaram deixaram de ser bem-vindos desde que Zebedeu desapareceu. Por isso, corre, corre o mais depressa que puderes até a saída deste corredor. Do lado de fora encontrarás o gato Sarmento que te irá ajudar.
Depois destes conselhos, Esmeralda despede-se do João Miguel com um beijo na face.
O menino ficou assustado e a menina tenta acalmá-lo:
- Vá, não tenhas receio, tudo irá correr bem desde que faças aquilo que o Sarmento te disser. Agora tenho de regressar, precisam de mim na cidadela.
E sem mais demoras, Esmeralda desaparece no escuro corredor. Os seus passos ecoam ao longe até que se deixam de escutar.
- Preciso de ser corajoso para sair deste lugar. Fui corajoso quando desci do quarto até à cozinha. Fui corajoso quando abri a porta da despensa. Fui corajoso quando me atrevi a subir o escadote. Fui corajoso quando persegui o Belchior e até estava descalço. Fui corajoso quando bebi o xarope branco efervescente que me tornou assim pequeno. Vou ser corajoso, tenho de ser corajoso para encontrar a saída onde está o Sarmento para me ajudar.
Assim pensa e assim o faz. Às apalpadelas pelas paredes escuras do túnel, João Miguel avança cuidadosamente. Por um pequeno instante, desejou ter ficado sossegado na sua cama, mas esse instante passou muito depressa, quase como se não tivesse acontecido, pois a voz do Sarmento já se escuta do lado de fora do gigantesco corredor.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

TRANSFORMAÇÃO




11 de Maio de 2012

11 – TRANSFORMAÇÃO


Okatonga está silenciosa.
As pessoas olham para o João Miguel em silêncio, como estátuas, enquanto ele caminha pela grande avenida da cidadela.
Subitamente, algo muito estranho acontece.
Sem que nada o fizesse prever, a vila de Okatonga oscila de um lado para o outro. Os passeios começam a aproximar-se e aquela que ainda agora era uma larga avenida, passou a ser uma rua estreita e apertada, apinhada de gente pequena a movimentar-se desordenadamente junto às botas do João Miguel.
Os edifícios também se movimentam, acompanhando o ritmo dos passeios. Torna-se impossível avançar, torna-se impossível saber por onde correu Belchior.
Okatonga está viva como vivas estão as suas ruas. Elas avançam e recuam. Os edifícios mais pequenos crescem e os mais altos diminuem e ficam mais pequenos. Outros edifícios seguem atrás das ruas e mudam a sua posição.
Os habitantes da cidadela começam a correr para dentro das casas antes que elas se transformem de vez.
As ruas ficaram desertas num instante mas continuam a dançar.
Há casas que tocam nas pernas do João Miguel quando se encolhem e se esticam, quando crescem e avançam e rodam e se alargam. A vila de Okatonga não para de se transformar.
O João Miguel tenta descobrir algum sinal do saltitante Belchior, mas sem sucesso.
O coelho partiu para procurar o Mestre Tino e tudo em Okatonga se transformou desde que ele pronunciou esse nome.
- Para onde terá ido o Belchior? – pergunta o João Miguel. - E porque se mexe assim tanto esta vila? A história nova da mãe é muito estranha. Casas antigas que sobem e descem, ruas estreitas que encolhem ainda mais, outras que crescem e outras que se entortam, gatos embirrentos e todas estas pessoas do tamanho da Esmeralda a desaparecer num abrir e fechar de olhos. Não foi isto que pedi ao saco invisível da mãe. Estou com sede e com fome, sinto a barriga a dar horas. O pudim da festa do jardim do Belchior ia saber-me tão bem!
O João Miguel dormiu mal esta noite, está com fome, está cansado e a cidadela continua a transformar-se.
- JOÃO MIGUEL!!! JOÃO MIGUEL!! ANDA POR AQUI!!! Depressa, antes que o Mestre Tino e o Belchior apareçam! – Grita Esmeralda junto à porta vermelha de uma casa branca com pilares de madeira escura a enfeitar a fachada.
A porta é pequena demais para o menino entrar. Esmeralda tem consigo um novo frasco, mais pequeno que o anterior, que entrega ao João Miguel:
- Vá, bebe isto tudo rapidamente e de um só trago. Não tenhas receio.
O menino seguiu as instruções.
Mal a primeira gota da poção toca os seus lábios, o corpo estremece. Depois de beber tudo conforme lhe foi dito, começa a encolher, a encolher, a encolher, a encolher, até que fica do mesmo tamanho de Esmeralda. Ela agarra-o imediatamente pelo braço e puxa-o vigorosamente para dentro da casa da porta vermelha.
Lá dentro espera-o uma sala escura, quase tão escura como a gruta que atravessou para chegar ao mundo de Okatonga.

ACIDENTE




06 de Maio de 2012

10 – ACIDENTE


Belchior dá sinais aos cavalos e a carruagem segue agora pelo meio da avenida onde se juntaram os habitantes da cidadela. Batem palmas, dizem adeus e gritam vivas ao ilustre Visitante.
O João Miguel está muito apertado no interior da viatura e nem os confortáveis bancos de veludo verde o ajudam a sentir-se melhor. O pavimento da avenida, construído com blocos de pedra irregulares e degradados, faz saltar o coche e transforma o passeio numa viagem incómoda. A avenida por onde Belchior conduz tem buracos abertos nas zonas onde os blocos de pedra se soltaram. Apesar da velocidade reduzida, o menino bate constantemente com a cabeça no teto do veículo.
Ao passarem por um destes enormes buracos, a carruagem salta com grande estremecimento e a roda traseira do lado direito solta-se fazendo-a tombar. O João Miguel é projetado pela porta e cai desamparado no meio do chão. A multidão vem de imediato em seu auxílio.
É neste instante que Belchior começa a berrar:

- Para trás, recuem todos
Não toquem no Visitante
Pode ter ossos partidos
A cautela é importante

Para trás, recuem todos
Quero ver se ele está bem
Pode ter ossos partidos
E outras feridas também
Um, dois, três, quatro, semeado neste chão
Cinco, seis, sete, oito, o Miguel, que é João
            Nove, dez, onze, doze, dói-me tanto o coração

Um, dois, três, quatro, semeada na avenida
Cinco, seis, sete, oito, correndo perigo de vida
            Nove, dez, onze, doze, está a criança caída

O João Miguel não se magoou, apesar do susto, e está cada vez mais admirado com estes estranhos acontecimentos. Os habitantes de Okatonga recuam para os passeios obedecendo às ordens de Belchior.
O coelho salta e berra, sem parar, junto ao menino que está sentado, de pernas esticadas, no chão empedrado da avenida.
- Belchior, ó Belchior! Eu estou bem, não me magoei. Foi só um susto, um pequeno susto, nada mais…
Mas os nervos tomaram conta do felpudo animal cinzento que está surdo e desorientado. E não para de gritar:

O que vai ser de mim?
Quem me pode socorrer?
A festa no meu jardim
Já não vai acontecer

Um, dois, três, quatro, semeei a barafunda
Cinco, seis, sete, oito, nesta rua vagabunda
            Nove, dez, onze, doze, mesmo antes da rotunda

Um, dois, três, quatro, semeado neste chão
Cinco, seis, sete, oito, o Miguel, que é João
            Nove, dez, onze, doze, dói-me tanto o coração
Um, dois, três, quatro, semeado no caminho
Cinco, seis, sete, oito, um imenso desalinho
            Nove, dez, onze, doze, quase feriu o rapazinho

Ninguém toca no menino
A ordem é para cumprir
Vou chamar o Mestre Tino
Para nos vir acudir

Assim que Belchior acaba de falar de Mestre Tino, desata a correr e a saltar pela avenida como um louco desaparecendo junto ao terreiro que se vislumbra lá ao fundo.
O João Miguel levanta-se, sacode o pó do pijama e das botas e segue a pé na mesma direção de Belchior. Agora já ninguém aplaude, ninguém dá vivas ou acena adeus com sorrisos de felicidade. Os rostos dos habitantes de Okatonga ficaram tristonhos e alguns até parecem assustados.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

SARMENTO e MEDINA


02 de Maio de 2012
9 – SARMENTO E MEDINA


Escondida bem no interior da floresta, a imensa clareira revela um cenário que o João Miguel estava longe de imaginar. Uma majestosa cidadela de aspeto medievo foi aqui construída. Em seu redor, a protegê-la, existe uma imponente muralha circular com dezenas de torreões, quase da altura do nariz do João Miguel. Os muros e as ameias dessa muralha alcançam os ombros do menino. Em cada torreão estão mais de vinte soldados-sapo de sentinela. Na entrada, junto ao portão principal, dois anafados gatos-guerreiros fazem a guarda e controlam todos os que até aqui se deslocam.
Um desses gatos espreguiça-se languidamente, esticando as suas patas, curvando as costas e abrindo a boca cheia de dentes afiados. O outro mantém uma postura muito mais austera. Está de pé, muito solene, a segurar uma longa lança com a pata esquerda, de olhar impávido e corpo direito. O seu capacete, impecavelmente lustroso, dá-lhe um ar muito digno e feroz, ao contrário do sonolento companheiro.
Da cidadela consegue vislumbrar-se um grande aglomerado de casas, todas elas com muito fumo a sair das chaminés. Existem ruas e becos estreitos e também três avenidas principais, mais largas, que desaguam num imenso terreiro. O João Miguel também vê, por cima das muralhas, um grande palacete avermelhado situado numa pequena colina junto ao terreiro central. Quanto ao coelho Belchior, não sabe para onde se terá escapado.
O portão da cidadela encontra-se aberto e tem, aproximadamente, a mesma altura do João Miguel. Os dois gatos estão de lanças cruzadas a barrar a entrada. Esta deve ser a famosa vila de Zebedeu. Deve ser aqui que ele fabrica os bálsamos, cremes e poções, ou melhor, fabricava. É que o anão alquimista desapareceu de Okatonga e ninguém sabe onde se refugiou. E também deve ser aqui que vive o rápido Belchior.
A cara do João Miguel está cheia de pequenos cortes e de feridas, os joelhos estão à mostra no pijama rasgado e o cabelo ganhou folhas e galhos durante a corrida. O menino parece que acabou de sair de uma grande luta. Corajosamente, aproxima-se dos dois gatos-guarda para lhes fazer algumas perguntas.
Os gatos olham para ele e ele para os gatos.
Ninguém fala.
Ninguém se mexe.
Lá ao fundo, atrás dos guardas, escuta-se o reboliço da cidadela, a azáfama dos seus habitantes. Ruídos de carroças, de animais, de crianças a correr e a saltar e a gritar. Também se sentem odores e muitos cheiros que chegam ao portão embrulhados numa espécie de névoa esverdeada.
Os gatos olham para o menino e o menino para os gatos.
E é então que o João Miguel pergunta:
- Olá! O meu nome é João Miguel. Podem dizer-me se esta é a famosa vila de Okatonga?
Os gatos não respondem.
Mantêm as lanças cruzadas e o ar severo.
Alguns soldados-sapo espreitam pelas ameias com interesse enquanto outros saltam de torreão em torreão muito atarefados.
Finalmente, passado quase um minuto, o gato que se tinha espreguiçado volta a abrir a boca. Ensonado, coloca de novo as patas no chão mas agora muito mais perto das botas negras do João Miguel.
Estica-se, estica-se muito, estica-se até não poder mais.
O outro gato não gosta da atitude do companheiro e grita exaltado:
- Para imediatamente com esse disparate! Vem já para aqui! Põe-te direito e cumpre o teu dever! Estou farto destas tuas parvoíces!
O gato ensonado não faz nada do que o outro gato lhe manda e continua a espreguiçar-se, demoradamente, junto aos pés do João Miguel.
- Deixa-me em paz! Quem és tu para dar ordens? Enquanto ficas para aí de pé, como uma estátua felpuda, ando eu pela floresta a fazer o teu e o meu serviço, NÃO É? – e virando-se para o João Miguel, explica – Tu não sabes, meu rapazinho, mas ali o Medina, com aquele ar de gato feroz e assanhado, tem medo de ratos e tem medo do escuro. Vejam lá! Missões noturnas de caça e patrulha não são para ele, coitadinho! Mas ficar aqui ao portão, elegantemente vestido, de lança e capacete reluzentes, isso, já não se importa de fazer! Caríssimo Visitante, eu sou o Sarmento e aquele ali é o Medina, o gato mais medroso da vila! Mas quem não o conheça…
O Medina não deixou Sarmento terminar o discurso e volta a gritar muito irritado:
- Para imediatamente com esses dispartes! Volta para aqui e cumpre o teu dever!
E o Sarmento lá se levanta, vagarosamente, de focinho muito enjoado e olhos de gozador. E é assim, com muita ironia, que dispara na direção de Medina:
- Sim, sim… grita para aí o que quiseres gato maluco! Ai, ai! Para imediatamente com essas parvoíces, diz o valente Medina, o valente e elegante guarda Medina! Ai, ai! Volta já para aqui, diz Medinazito, o vaidoso bichano! Vê-se logo que já tomaste o pequeno-almoço e que dormiste o teu sono de beleza. Mas enquanto tu dormias e comias, andava eu à caça e em missões de reconhecimento na escuridão da floresta… a FAZER O MEU E O TEU TRABALHO! Por isso, não me chateies!
O João Miguel não percebe lá muito bem o que se está a passar. A estranha discussão começa agora a ficar muito feia. Os animais avançam um contra o outro de unhas bem afiadas e com as lanças em riste decididos a guerrear. Os olhos brilham de raiva e, de bigodes retorcidos, preparam-se para o pior.
As suas patas estão quase a tocar-se quando soam bem alto as trompetas no cimo dos torreões.
Os dois guardas correm para as suas posições e assumem a mais estática das poses com lanças em riste. Os soldados-sapo colocam-se de pé junto às muralhas e nos postos de vigia dos torreões. Uma pequena multidão de habitantes começa a afluir à avenida e a música não para de tocar.
Uma carruagem aparece ao fundo da avenida, puxada por seis cavalos negros e conduzida pelo felpudo coelho Belchior. O João Miguel viu uma assim parecida quando visitou o museu dos coches com a sua mãe. Só que esta não é tão dourada e é muito mais pequena, como pequenos são os cavalos, as pessoas, as casas, as muralhas, os torreões e o palacete junto ao terreiro central. Toda a vila é uma perfeita miniatura. Apenas os gatos, o coelho e os sapos coloridos são do tamanho correto das coisas no mundo do João Miguel.
Ao som dos vivas e da música tocada pelas trompetas, a carruagem imobiliza-se junto ao menino que a esperava.
Belchior tem um capacete prateado na cabeça, enfeitado com uma bonita pluma vermelha.

- Um, dois, três, quatro, esta bela carruagem
Cinco, seis, sete, oito, de importante linhagem
            Nove, dez, onze, doze, faz o resto da viagem

. Um, dois, três, quatro, está quente no interior
Cinco, seis, sete, oito, vou levar-te ao meu senhor
            Nove, dez, onze, doze, sobe já, se faz favor

João Miguel obedece a Belchior e entra na viatura dourada.
Está ansioso por saber o que Okatonga tem para revelar.