sábado, 12 de maio de 2012

ESCARAVELHOS




12 de Maio de 2012

12 – ESCARAVELHOS


A casa parou de se mexer logo após Esmeralda ter fechado a porta vermelha.
A boca do João Miguel ainda sente o travo amargo e ácido da bebida que o fez diminuir de tamanho. Os dois ficaram da mesma altura e o menino não consegue parar de pensar no que lhe aconteceu, tal e qual como na história da Alice no País das Maravilhas, e ele exclama:
- Pois claro! Só pode mesmo ser por causa disso! Eu pedi à mãe uma história com uma festa parecida com aquele chá que foi servido pelo Chapeleiro Louco no original da Alice.
Mas aqui em Okatonga, nada tem sido aquilo que parece e a sua barriga começa a roncar desgovernada.
A sala daquela casa para onde Esmeralda o puxou é muito escura. As portadas das duas janelas estão fechadas. São imponentes e deixam passar um delgado fio de luz por uma pequena frincha que ilumina a divisão. Conseguem-se distinguir as madeiras velhas e compridas do soalho, umas paredes muito sujas e antigas e a porta de entrada que também é vermelha no interior. Existe ainda uma outra porta entreaberta do outro lado do salão.
- Tenho fome Esmeralda! Não como nada desde que cheguei. Será que nesta casa não há nada para comer? – pergunta o menino cheio de apetite.
Esmeralda não responde. Sai pela porta que se encontra entreaberta e regressa, passado alguns momentos, com uma bandeja de prata em forma de elipse. Um copo de leite e um prato com quatro bolachas balançam na travessa que a menina deposita no chão junto aos pés do João Miguel. Nela repousa também um pequeno guardanapo branco de um linho imaculado.
- Toma! Come estas bolachas e bebe este leite de cabra. Foi tudo o que consegui arranjar! – explica Esmeralda – Mas come depressa, tu não imaginas o perigo que corremos. As coisas mudaram bastante em Okatonga desde que o anão alquimista desapareceu. Tudo se transformou, tanto na cidadela como na nossa floresta, e nada funciona como antigamente.
O João Miguel toma muita atenção às palavras de Esmeralda enquanto trinca a terceira bolacha. Cresceram-lhe também uns longos bigodes brancos por debaixo do seu pequeno nariz.
- Obrigado Esmeralda, tu és muito simpática! Estava mesmo com muita fome e ainda estou um pouco zonzo por causa do rápido encolhimento. As tuas bolachas são deliciosas e o leite fresco também.
A casa é sombria e bafienta. Teias de aranha enfeitam cada um dos cantos do teto, enfeitam também os rodapés por onde passeiam alguns escaravelhos. A menina entretém-se a perseguir os escaravelhos que circulam um pouco por todos os cantos do soalho e nos rodapés enquanto vocifera:
- Detesto estes bichos nojentos e o barulho que fazem quando os pisamos. Por alguma estranha razão, desde que as nossas ruas e as nossas casas começaram a movimentar-se, surgiram cada vez mais escaravelhos. São uma autêntica praga em Okatonga. E eu detesto-os e detesto-me por não conseguir parar de os pisar.
O barulho que os insetos fazem quando rebentam é repugnante, e Esmeralda parece divertida a pisar os escaravelhos como se de um jogo se tratasse.
O João Miguel acaba de comer as bolachas e de beber o leite. A fome amansou e Esmeralda puxa-lhe novamente pelo braço até a outra sala onde nasceu um imenso corredor, igualmente sombrio e bafiento, que desce e se alonga por algumas centenas de metros. A partir de uma determinada altura, torna-se mais estreito, mais húmido e mais escuro, as paredes tornam-se redondas e o chão escorregadio, acabando finalmente por se transformar num imenso túnel.
- Escuta o que te vou dizer João Miguel. Tu tens de ser corajoso e sair da cidadela através deste túnel antes que o Mestre Tino te descubra. Nenhum visitante está em segurança. O Belchior tem andado a atrair os visitantes a Okatonga para depois os entregar ao Mestre Tino. Ninguém sabe o que lhes acontece. Os visitantes que aqui chegaram deixaram de ser bem-vindos desde que Zebedeu desapareceu. Por isso, corre, corre o mais depressa que puderes até a saída deste corredor. Do lado de fora encontrarás o gato Sarmento que te irá ajudar.
Depois destes conselhos, Esmeralda despede-se do João Miguel com um beijo na face.
O menino ficou assustado e a menina tenta acalmá-lo:
- Vá, não tenhas receio, tudo irá correr bem desde que faças aquilo que o Sarmento te disser. Agora tenho de regressar, precisam de mim na cidadela.
E sem mais demoras, Esmeralda desaparece no escuro corredor. Os seus passos ecoam ao longe até que se deixam de escutar.
- Preciso de ser corajoso para sair deste lugar. Fui corajoso quando desci do quarto até à cozinha. Fui corajoso quando abri a porta da despensa. Fui corajoso quando me atrevi a subir o escadote. Fui corajoso quando persegui o Belchior e até estava descalço. Fui corajoso quando bebi o xarope branco efervescente que me tornou assim pequeno. Vou ser corajoso, tenho de ser corajoso para encontrar a saída onde está o Sarmento para me ajudar.
Assim pensa e assim o faz. Às apalpadelas pelas paredes escuras do túnel, João Miguel avança cuidadosamente. Por um pequeno instante, desejou ter ficado sossegado na sua cama, mas esse instante passou muito depressa, quase como se não tivesse acontecido, pois a voz do Sarmento já se escuta do lado de fora do gigantesco corredor.

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