quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O APRENDIZ DE ALQUIMISTA



3 de Outubro de 2012

39 – O APRENDIZ de ALQUIMISTA


Já passaram muitas horas desde que o menino chegou ao laboratório. A sua imensa vontade tem-no empurrado através de Okatonga, e aqui se cumpre uma etapa essencial da aventura.
João Miguel adormece, vencido pelo cansaço, sem ter encontrado uma pista concreta sobre o que ali desejava encontrar. Sente-se muito especial por ter sido convidado pelo próprio Zebedeu a visitar este espaço secreto. Sente-se mais do que apenas especial, pois o alquimista deu-lhe liberdade total para investigar o laboratório, e ele queria saber tudo acerca de todas as coisas. Foi por isso que não deu conta do passar do tempo.
No interior do salão as horas e os dias passam de maneira diferente. A aprendizagem de todas as coisas necessita da desaceleração das partículas invisíveis que constituem o tempo. Um dia passado no laboratório corresponde apenas a meia hora no resto do universo. O alquimista tem de manter-se jovem ao longo das suas aprendizagens, enquanto tudo o resto continua a nascer, a crescer e a envelhecer ao ritmo natural.
João Miguel passou quatro dias inteiros a ler, a investigar, a ensaiar, a experimentar, a aprender. Foram quatro dias inteiros de trabalho e de dedicação dentro do salão, aos quais correspondem duas horas de tempo real.
Para se adquirirem os conhecimentos alquímicos é necessário despender muito tempo. Por isso o mundo exterior acaba por não envelhecer ao mesmo ritmo dessas aprendizagens. Quando o menino regressar a Okatonga não terão passado os quatro dias, somente duas horas. Mas durante esse período o João Miguel adquiriu quatro dias de importantíssimos ensinamentos alquímicos.
Alguns alquimistas mais experientes fecham-se nos seus laboratórios durante meses e até anos inteiros. Quando regressam aos seus afazeres mais mundanos, sofrem um simples mas curioso processo de rejuvenescimento.
Zebedeu já esteve fechado no seu gabinete durante um ano ao longo do qual preparou um sofisticado conjunto de fórmulas para poções raras e muito poderosas. Quando terminou o seu trabalho, saiu para dar um passeio pela floresta de Okatonga, onde apenas tinha passado uma semana. O seu corpo e o seu rosto rejuvenesceram. Tudo nele voltou a ser como devia, ou seja, tudo nele voltou a ser como se apenas tivessem passado os sete dias da semana.
Assim trabalham os alquimistas. É assim que conseguem aproveitar o tempo ao máximo e é assim que adquirem os seus conhecimentos acerca de todas as coisas. Só assim se compreende que consigam realizar feitos tão incríveis, e Zebedeu é o mais famoso de todos.
A voz forte e tenebrosa invade de novo o gabinete, e repete as mesmas palavras:
- Quem és tu senão a entrada da caverna, uma pequena centelha que se prepara para servir de luz à escuridão. Terás de salvar os reis do nosso reino. Terás de salvar os reis do nosso reino, terás de salvar os reis do nosso reino.
João Miguel acorda, sobressaltado, com a gravidade da voz, e pergunta:
- Quem és tu? Onde estás? O que desejas de mim? Aparece que não te consigo ver.
A voz insiste sem dar a conhecer a quem pertence:
- Eu sou a razão pela qual tu aqui chegaste! Eu sou a voz da razão, sou quem te diz tudo o que desejas escutar. Queres ser herói mas não sabes que já és um herói. Queres saber as respostas para todas as perguntas, queres viajar, queres ser importante e desejas fazer a diferença. Por tudo isto terás de salvar os reis do nosso reino! Okatonga precisa de ti, precisa urgentemente da tua ajuda. Foi por isso que Zebedeu decidiu trazer-te até aqui, ou terá sido por isso que tu te aventuraste a vir até aqui? Qual destas duas hipóteses será a mais correta? Estavas muito cansado, estavas tão cansado que acabaste por adormecer. Mas agora que já descansaste, terás de salvar os reis do nosso reino.
O menino mal tinha aberto os olhos e mal se espreguiçara.
Não consegue perceber quem é o dono desta voz.
Senta-se à mesa e trinca uma maça.
- Não estejas preocupado a tentar descobrir quem eu sou, pois isso não importa! Já te disse que eu sou a razão pela qual tu chegaste até aqui, e sou eu quem te diz tudo aquilo que desejas escutar.
João Miguel responde enquanto mastiga a maçã sumarenta:
- Se tu és aquela que me diz tudo o que desejo escutar, então diz-me como te chamas! Eu sou o João Miguel e continuo cheio de sono.
A voz continua:
- É normal que tenhas sono. Passaste os últimos dias a trabalhar, a aprender e a investigar, mas não te preocupes pois quando regressares à floresta de Okatonga terão passado somente duas horas e o teu cansaço logo desaparecerá. Este é o primeiro segredo e a primeira lição que se ensina a um aprendiz de alquimista. Tu agora já és um aprendiz de alquimista! Deixaste de ser apenas o menino João Miguel e tens uma importantíssima missão a cumprir. Tens de salvar os reis do nosso reino!
Esta novidade causou-lhe uma grande emoção.
Ele é um aprendiz de alquimista!
Mais importante do que conhecer o anão Zebedeu, ou até do que descobrir o lugar secreto onde a sua mãe esconde o saco invisível das histórias, esta é que era a razão principal desta aventura.
A voz tinha-lhe dito a verdade. Afinal, é mesmo a voz da razão!
O menino sempre desejou poder vir a tornar-se um aprendiz de alquimista, e agora terá que realizar a tarefa mais importante.
- Tenho de salvar os reis do reino de Okatonga! Tenho de salvar Alberto e Alberta das garras afiadas de Mestre Tino!
João Miguel levanta-se com uma energia incomum, enche uma sacola com tudo o que considera importante. Dois almanaques, alguns frascos, quatro caixas pequenas com ferramentas enferrujadas, um molho de folhas secas e uma lupa. Antes de a fechar acrescenta mais duas maçãs à coleção, não vá a fome incomodá-lo.
Observa por uma última vez o laboratório onde passou os quatro dias a investigar. Agora é um aprendiz de alquimista, dono de importantíssima missão.
Uma das paredes do laboratório começa a mover-se como as águas cristalinas de um lago. Torna-se numa espécie de espelho gelatinoso, ondulante e brilhante. O fino lençol transparente assume de vez o estado líquido e acaba por cair no chão, encharcando as botas negras do menino.

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