quinta-feira, 25 de outubro de 2012

NEVOEIRO NEGRO



24 de Outubro de 2012

48 – NEVOEIRO NEGRO

As nuvens que João Miguel observa juntam-se para tapar o céu azul, transformando-o num cinzento muito carregado.
Recomeça a chover.
Assim que o lago negro recebe as primeiras gotas, forma-se uma neblina escura em toda a sua extensão. O lago ganha formas estranhas e movimenta-se numa dança assustadora. Quanto mais chove, mais denso fica o nevoeiro que cresce e avança até adquirir uma dimensão extraordinária.
João Miguel e Renato observam esta imensa nuvem negra, boquiabertos, e mal dão conta dos puxões que os arrastam para outra posição.
Não veem ninguém.
A enseada está escura e deserta, mas alguém os continua a arrastar pelo meio do nevoeiro que acaba de se formar.
O menino e o sapo demoram a entender o que se está a passar.
- Venham, não podemos perder nem mais um segundo! As tropas do coronel-sapo estão quase a chegar. Estavam à vossa espera na margem mais a norte, viram-vos alcançar a enseada e dirigem-se para aqui! – exclama Esmeralda num tom de voz harmonioso.
- ESMERALDA! - grita João Miguel com alegria. – És mesmo tu? Que boa surpresa! Onde estás, que não te consigo ver?
A menina continua a falar sem levantar a voz:
- Eu não estou invisível, a culpa é deste nevoeiro negro que acabou de nos cobrir. Enquanto não parar de chover, e não sairmos das margens do lago, ele continuará a crescer. A Dona Suzete, o gato Medina e o coelho Belchior acompanharam as tropas do coronel-sapo. Vieram escoltados por uma centena de escaravelhos e mais o macaco Isidoro. Este nevoeiro negro é uma manobra malvada de Dom Raimundo, que deseja assustar-te e atrasar-te ainda mais. Eles querem prender-te, João Miguel, pois essa foi a ordem dada por Mestre Tino, o buldogue tirano que agora nos governa.
O nevoeiro dificulta imenso a visibilidade. O menino não vê ninguém. De repente, os olhos faiscantes do batráquio acendem-se numa luz vermelha tão intensa como as chamas de um incêndio. João Miguel descobre os dois amigos mesmo ali ao seu lado.
- ESMERALDA! Que bom é voltar a ver-te! A floresta de Okatonga fica bem mais simpática na tua presença.
A menina não consegue evitar um sorriso, mas o risco é grande.
- Tens de sair daqui, João Miguel, e bem depressa! Os olhos luminosos do Renato vão ajudar-nos a encontrar o caminho na escuridão. Tens de regressar à cidadela, e tens de ser muito cauteloso. Não podes cair nas armadilhas dos teus perseguidores.
O Renato nem fala, tal é o seu estado de nervos. Só pensa na Dona Suzete. A aranha está tão perto, que o corpo treme e sua a pele fica da cor do nevoeiro. O bicho não se distingue da neblina só a luz brilhante dos seus olhos indica que ele ali se encontra, mais a sua respiração ofegante.
Os três avançam pela floresta, seguindo as orientações de Esmeralda. Ela conhece-a muito bem. É aqui que mora e é aqui que passa a maior parte do tempo. Esmeralda vive em Okatonga desde que nasceu. Certo dia, alguém lhe contou que um menino corajoso e aventureiro a iria visitar, vindo de um mundo desconhecido e diferente. Não se lembra quem lhe contou, e nem sabe se não terá sonhado essa lenda. O certo é que, ao ver o João Miguel pela primeira vez, descalço e em pijama, com uma bonita caixa branca de cartão nas mãos, soube que ele era o menino da história. Pouco depois, o anão Zebedeu informou-a que ela tinha de o ajudar, pois disso dependia a própria existência de Okatonga. É Esmeralda quem se encarrega de recolher raízes, pétalas, flores, folhas, cascas, plantas, bagas e outros produtos importantes para o anão alquimista. Ele paga-lhe o serviço com as suas poções. Esmeralda esconde-as, algures pela floresta, em locais que só ela sabe encontrar.
O futuro de Esmeralda, da floresta, da cidadela fortificada e de todos os seus habitantes, o futuro do alquimista e dos reis Alberto e Alberta, pertencem a este visitante franzino de quem poucos ouviram falar.
A menina gostava de conhecer o mundo de João Miguel, mas não se atreve a perguntar-lhe como é a sua terra. O mais importante, agora, é ajudá-lo a cumprir a sua missão.
Esmeralda conta-lhe o que se passou enquanto o menino visitou Zebedeu:
- Fiquei à tua espera, junto ao grande carvalho centenário, e percebi que algo de estranho se estava a passar. Avistei o gato Sarmento a fugir do interior da árvore, com os olhos verdes a brilhar. Não era suposto ele andar por ali. Depois dele saíram de lá muitos morcegos a voar desnorteados, e tive receio que tu tivesses voltado para trás sem conhecer o anão alquimista. Estes eventos chamaram-me a atenção. Desci e espreitei para dentro do tronco oco. Não te vi, mas escutei o ruído da porta de casa do Zebedeu a ecoar das profundezas. Fiquei descansada e aguardei. – diz a menina enquanto avançam pela trilha iluminada a vermelho. – Passaram algumas horas e escutei barulhos de passos que vinham debaixo do chão, bem fundo, junto às raízes mais antigas, juntamente com um rumor de vozes, como se conversas estivessem a acontecer. Eram quase impercetíveis. Foi por essa altura que desceu do céu um carrossel musical, muito bonito e luminoso, cheio de animais coloridos. Compreendi que tudo não passava de um sonho. Eu adormeci junto à grande árvore, e só acordei com o estardalhaço provocado pelos pinotes do coelho Belchior que saltava ali por perto. Isto só podia significar que o coelho andava de novo à tua procura! Levantei-me, segui-o sem ele dar conta, como é meu hábito, e foi assim que acabei por vos encontrar.
João Miguel escuta Esmeralda com toda a atenção. E a menina continua:
- Depois de vocês mergulharem no lago, o coelho correu esbaforido. Foi ter com as tropas do coronel-sapo, que já estavam formadas à vossa espera na outra margem do lago. Um estranho acaso fez com que vocês acabassem por regressar à superfície bem afastados do local onde eles vos aguardavam, e nadassem até à enseada com rapidez. O resto da história já tu conheces.

A chuva diminui.
Já não está tão escuro.
A neblina começa a dissipar-se.
Escutam-se ruídos muito preocupantes.
A pele preta do sapo Renato pinta-se de verde.
Os três amigos desatam a correr a toda a velocidade.
Os escaravelhos batedores do exército estão cada vez mais próximos.

Os olhos vermelhos do sapo Renato voltam a faiscar como quando estavam dentro da boca de Dom Raimundo.
- AI MINHA RICA MÃEZINHA!

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