24 de Outubro de 2012
48 – NEVOEIRO NEGRO
As nuvens que João
Miguel observa juntam-se para tapar o céu azul, transformando-o num cinzento
muito carregado.
Recomeça a chover.
Assim que o lago negro
recebe as primeiras gotas, forma-se uma neblina escura em toda a sua extensão.
O lago ganha formas estranhas e movimenta-se numa dança assustadora. Quanto
mais chove, mais denso fica o nevoeiro que cresce e avança até adquirir uma
dimensão extraordinária.
João Miguel e Renato
observam esta imensa nuvem negra, boquiabertos, e mal dão conta dos puxões que
os arrastam para outra posição.
Não veem ninguém.
A enseada está escura e
deserta, mas alguém os continua a arrastar pelo meio do nevoeiro que acaba de
se formar.
O menino e o sapo
demoram a entender o que se está a passar.
- Venham, não podemos
perder nem mais um segundo! As tropas do coronel-sapo estão quase a chegar.
Estavam à vossa espera na margem mais a norte, viram-vos alcançar a enseada e
dirigem-se para aqui! – exclama Esmeralda num tom de voz harmonioso.
- ESMERALDA! - grita
João Miguel com alegria. – És mesmo tu? Que boa surpresa! Onde estás, que não
te consigo ver?
A menina continua a
falar sem levantar a voz:
- Eu não estou
invisível, a culpa é deste nevoeiro negro que acabou de nos cobrir. Enquanto
não parar de chover, e não sairmos das margens do lago, ele continuará a
crescer. A Dona Suzete, o gato Medina e o coelho Belchior acompanharam as
tropas do coronel-sapo. Vieram escoltados por uma centena de escaravelhos e mais
o macaco Isidoro. Este nevoeiro negro é uma manobra malvada de Dom Raimundo,
que deseja assustar-te e atrasar-te ainda mais. Eles querem prender-te, João
Miguel, pois essa foi a ordem dada por Mestre Tino, o buldogue tirano que agora
nos governa.
O nevoeiro dificulta
imenso a visibilidade. O menino não vê ninguém. De repente, os olhos faiscantes
do batráquio acendem-se numa luz vermelha tão intensa como as chamas de um
incêndio. João Miguel descobre os dois amigos mesmo ali ao seu lado.
- ESMERALDA! Que bom é
voltar a ver-te! A floresta de Okatonga fica bem mais simpática na tua
presença.
A menina não consegue
evitar um sorriso, mas o risco é grande.
- Tens de sair daqui,
João Miguel, e bem depressa! Os olhos luminosos do Renato vão ajudar-nos a
encontrar o caminho na escuridão. Tens de regressar à cidadela, e tens de ser
muito cauteloso. Não podes cair nas armadilhas dos teus perseguidores.
O Renato nem fala, tal é
o seu estado de nervos. Só pensa na Dona Suzete. A aranha está tão perto, que o
corpo treme e sua a pele fica da cor do nevoeiro. O bicho não se distingue da
neblina só a luz brilhante dos seus olhos indica que ele ali se encontra, mais
a sua respiração ofegante.
Os três avançam pela
floresta, seguindo as orientações de Esmeralda. Ela conhece-a muito bem. É aqui que mora e é aqui que passa a maior parte do tempo. Esmeralda
vive em Okatonga desde que nasceu. Certo dia, alguém lhe contou que um menino
corajoso e aventureiro a iria visitar, vindo de um mundo desconhecido e
diferente. Não se lembra quem lhe contou, e nem sabe se não terá sonhado essa lenda.
O certo é que, ao ver o João Miguel pela primeira vez, descalço e em pijama,
com uma bonita caixa branca de cartão nas mãos, soube que ele era o menino da
história. Pouco depois, o anão Zebedeu informou-a que ela tinha de o ajudar,
pois disso dependia a própria existência de Okatonga. É Esmeralda quem se
encarrega de recolher raízes, pétalas, flores, folhas, cascas, plantas, bagas e
outros produtos importantes para o anão alquimista. Ele paga-lhe o serviço com
as suas poções. Esmeralda esconde-as, algures pela floresta, em locais que só
ela sabe encontrar.
O futuro de Esmeralda,
da floresta, da cidadela fortificada e de todos os seus habitantes, o futuro do
alquimista e dos reis Alberto e Alberta, pertencem a este visitante franzino de
quem poucos ouviram falar.
A menina gostava de
conhecer o mundo de João Miguel, mas não se atreve a perguntar-lhe como é a sua
terra. O mais importante, agora, é ajudá-lo a cumprir a sua missão.
Esmeralda conta-lhe o
que se passou enquanto o menino visitou Zebedeu:
- Fiquei à tua espera,
junto ao grande carvalho centenário, e percebi que algo de estranho se estava a
passar. Avistei o gato Sarmento a fugir do interior da árvore, com os olhos
verdes a brilhar. Não era suposto ele andar por ali. Depois dele saíram de lá
muitos morcegos a voar desnorteados, e tive receio que tu tivesses voltado para
trás sem conhecer o anão alquimista. Estes eventos chamaram-me a atenção. Desci
e espreitei para dentro do tronco oco. Não te vi, mas escutei o ruído da porta
de casa do Zebedeu a ecoar das profundezas. Fiquei descansada e aguardei. – diz
a menina enquanto avançam pela trilha iluminada a vermelho. – Passaram algumas
horas e escutei barulhos de passos que vinham debaixo do chão, bem fundo, junto
às raízes mais antigas, juntamente com um rumor de vozes, como se conversas
estivessem a acontecer. Eram quase impercetíveis. Foi por essa altura que
desceu do céu um carrossel musical, muito bonito e luminoso, cheio de animais
coloridos. Compreendi que tudo não passava de um sonho. Eu adormeci junto à
grande árvore, e só acordei com o estardalhaço provocado pelos pinotes do
coelho Belchior que saltava ali por perto. Isto só podia significar que o
coelho andava de novo à tua procura! Levantei-me, segui-o sem ele dar conta,
como é meu hábito, e foi assim que acabei por vos encontrar.
João Miguel escuta
Esmeralda com toda a atenção. E a menina continua:
- Depois de vocês
mergulharem no lago, o coelho correu esbaforido. Foi ter com as tropas do
coronel-sapo, que já estavam formadas à vossa espera na outra margem do lago.
Um estranho acaso fez com que vocês acabassem por regressar à superfície bem
afastados do local onde eles vos aguardavam, e nadassem até à enseada com
rapidez. O resto da história já tu conheces.
A chuva diminui.
Já não está tão escuro.
A neblina começa a
dissipar-se.
Escutam-se ruídos muito
preocupantes.
A pele preta do sapo
Renato pinta-se de verde.
Os três amigos desatam a
correr a toda a velocidade.
Os escaravelhos
batedores do exército estão cada vez mais próximos.
Os olhos vermelhos do
sapo Renato voltam a faiscar como quando estavam dentro da boca de Dom
Raimundo.
- AI MINHA RICA
MÃEZINHA!
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