sábado, 2 de junho de 2012

RENATO



01 de Junho de 2012

17 – RENATO


As casas voltam a movimentar-se com impressionante rapidez.
Paredes, chão, tetos, janelas, portas, telhados, as chaminés, as escadas, os portões, os alpendres e as varandas dos edifícios mexem-se para todos os lados. Esticam-se, encolhem-se, rodopiam, aumentam de tamanho ou tornam-se minúsculos numa agitada dança que redesenha a cidadela.
Okatonga está viva, mexe-se como se uma baleia gigantesca quisesse sair debaixo do chão, mexe-se como se milhões de toupeiras escavassem e abrissem túneis ao mesmo tempo, mexe-se como um imenso carrossel, como um pião, como um veloz e apressado basilisco, mexe-se como uma cobra esguia, fina e viscosa, mexe-se tanto e tanto e tanto que alguns soldados-sapo são projetados e saem a voar das altas muralhas que protegem a cidadela.
As paredes sujas do grande salão encolhem-se e ficam ao mesmo nível do soalho. A porta vermelha gira frenética como os ponteiros desafinados de um relógio maluco. Esmeralda e João Miguel aproveitam a ocasião para correr dali para fora.
- Segue-me João Miguel, temos de alcançar a floresta antes que Mestre Tino dê conta da nossa ausência. Corre, corre depressa enquanto a cidadela se transforma.
Nenhum dos animais no salão se apercebe destas intenções. O menino segue as instruções de Esmeralda e os dois correm agora pelo meio das ruas que ficam cada vez mais estreitas. Por vezes, ao dobrarem a esquina de uma casa, as ruas apertadas tornam-se largas avenidas por onde é mais fácil avançar. Os habitantes de Okatonga complicam-lhes a corrida pois também eles caminham meio perdidos pelas ruas. Uma multidão vai ocupando os mesmos passeios e avenidas por onde correm, mas eles furam pelo meio das pessoas, passam entre elas com elegância e quase sem lhes tocar.
Há imensos soldados-sapo a voar pelos ares e a cair um pouco por toda a parte. Um deles acaba mesmo por se estatelar ao comprido entre Esmeralda e João Miguel.
- AAAUUUUUU!!!! Bolas e rebolas e ainda mais bolas!!! – diz o sapo-soldado estendido no meio do chão. – Estou todo dorido! Ajudem-me, alguém me acuda que eu não me consigo levantar.
O menino conseguiu parar antes de tropeçar no sapo e resolve prestar-lhe auxílio. Segura-o por detrás com muito cuidado, por debaixo dos braços, e levanta-o do chão.
- Pronto, já está! Foi um valente trambolhão mas agora já estás em pé, já estás bem…Vou ter de me despedir… adeusinho e até logo… - E foi assim, depressa e com mestria, que o João Miguel ajudou o batráquio que acabara de aterrar.
Esmeralda não para de correr. Segue um pouco mais à frente e está quase a chegar ao grande portão da cidadela. Ao contrário do resto da vila, o portão não se mexe como uma enguia nervosa.
- Tenho de ser rápido para a alcançar. O sapo atrasou-me, coitado, precisava de ajuda e estava mesmo assustado. Ainda bem que o ajudei. – pensa João Miguel enquanto corre no meio da cidade esparguete.
Os edifícios que se transformaram mais rapidamente do que os outros começam a sossegar e a cidadela fica menos irrequieta.
O menino e Esmeralda não dão conta, mas atrás deles vem a correr o soldado-sapo que o João Miguel ajudou. O batráquio quer agradecer-lhe a amabilidade e pula alegremente atrás deles. Esmeralda atravessa a muralha junto ao portão, passa para o lado de fora da cidadela, olha para trás e vê o soldado-sapo aos berros e aos saltos a perseguir o amigo. Fica preocupada. Não compreende o que se está a passar, mas sabe como é importante que o menino chegue ali com ligeireza. O amigo está quase a chegar, mesmo quase, mesmo, mesmo quase, faltam vinte metros, faltam dez, faltam apenas cinco, apenas dois, apenas um … e com uma grande passada em frente, as botas negras do João Miguel passam por cima das ameias da grande muralha no exato instante em que estas crescem e voltam a proteger a cidadela com imponência e majestade.
Os torreões são agora tão altos que só sendo pássaro é possível passar por cima deles.
- BOA JOÃO MIGUEL! CONSEGUIMOS! – exclama Esmeralda com alegria. - Foi por pouco, foi mesmo por pouco. Não podemos perder mais tempo. Na floresta estaremos a salvo de Mestre Tino, da sua corte de ministros e dos seus súbitos ataques de loucura.
O João Miguel usa umas bochechas coradas e um pijama com cada vez mais medalhas esburacadas. Observa Esmeralda de mãos nos joelhos e levemente curvado em posição de descanso. Faz uma pequena pausa para resfolegar.
- UFA, mas que grande correria esta. – desabafa o rapaz – Espera só um bocadinho enquanto eu me recomponho para poder voltar a correr como há pouco.
Por esta altura cai dos céus, como um meteorito, o saltitante soldado-sapo. Aterra em cima de Esmeralda e do João Miguel e os três ficam estirados no chão junto à entrada da imensa floresta.
- OLÁ! Desculpem o mau jeito. O meu nome é Renato. Estou aqui para vos agradecer!

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