19 de Junho de 2012
22 – INVISIBILIDADE
- Assustá-los ou comê-los? – pensa a aranha Suzete
antes de tomar uma decisão. – Que beleza ter estas dúvidas deliciosas, sentir
nascer água na boca com o cheirinho apetitoso e tenro que sobe desde aquela
clareira. Vou comê-los! Está decidido e não vale a pena pensar mais no assunto.
Dona Suzete avança com a firme intenção de comer João
Miguel e Esmeralda.
Os pássaros param de cantar.
O vento deixa de soprar.
As folhas e ramagens desistem de sussurrar.
Esmeralda levanta-se instintivamente como se tivesse
uma mola debaixo de si. Tira um frasco minúsculo da pequena bolsa que traz
sempre a tiracolo, e bebe o seu conteúdo incolor com avidez. Diz para João
Miguel fazer o mesmo, e ele bebe o resto do líquido sem se levantar, sem
questionar, sem hesitar. O menino experimenta algo de estranho a vibrar na
floresta, como se um recém-adquirido novo sentido o alertasse para a existência
de grande perigo.
Instantes antes de Dona Suzete os devorar, Esmeralda e
João Miguel desaparecem misteriosamente da clareira deixando a grande aranha
branca com cara de poucos amigos.
- Mas como é que isto pode ter acontecido? Onde se
terão metido as duas tenras criaturas? Desapareceram misteriosamente, de um
momento para o outro, mesmo em frente dos meus quatro olhos. Será que estou a
ver bem ou preciso de dois pares de óculos? Isto é coisa muito misteriosa.
Ainda sinto o cheiro perfumado das crianças espalhado pela clareira. É mais
visível do que os seus corpos que daqui desapareceram. Magia, Feitiçaria! É
isso que aqui se está a passar?
Um, dois, três, quatro, encontrar o João Miguel
Cinco, seis, sete, oito, levá-lo para o quartel
Nove, dez, onze, doze, são ordens do coronel
Um, dois, três, quatro, segui-lo por este troço
Cinco, seis, sete, oito, prendê-lo num calabouço
Nove, dez, onze, doze, antes da hora de almoço
Um, dois, três, quatro, tenho de o descobrir
Cinco, seis, sete, oito, impedi-lo de fugir
Nove, dez, onze, doze, não me posso distrair
Belchior salta e corre e pula com tanto empenho e
concentração, que nem dá conta da presença de Dona Suzete junto à clareira.
Choca com ela com tamanha violência que os dois ficam tombados no meio do chão
de barriga para o ar. A aranha é rápida a reagir, vira-se com destreza e avança
até ao coelho cinzento. Começa a envolvê-lo com uma teia fina mas poderosa
enquanto pergunta:
- Como te atreves a atacar-me desta maneira
traiçoeira? Não sabes com quem te acabaste de meter, coelho louco e insolente?
A tua hora chegou, encontraste Suzete no pior dos dias para provocar a sua ira.
Com voz amedrontada, o coelho responde:
Tento encontrar o João
Um menino visitante
“é um perigo para a nação”
Palavras do presidente
|
Desculpe senhora aranha
Não era minha intenção
Mil perdões pela façanha
Do fundo do coração
Mestre Tino me enviou
Para dar conta do recado
Mas agora que me apanhou
Ai de mim, estou condenado
Dona Suzete pensa duas vezes antes de engolir o
apetitoso coelho Belchior. Se calhar é boa ideia dar uso ao animal saltitante
para conseguir encontrar as crianças desaparecidas.
- Falas só desse tal João Miguel mas, na verdade, ele
anda acompanhado de uma rapariga que não tem ar de visitante. São dois os
fugitivos, não apenas um! Que raio de ordens te deu esse tal presidente Tino?
Do alto de um frondoso e velho carvalho começam a
chover pedras que caem junto à aranha branca. Algumas acertam-lhe em cheio na
cabeça causando-lhe muita dor e desconforto. Suzete, cada vez mais irritada,
olha para o alto da árvore com os seus quatro olhos de cristal mas não consegue
ver ninguém. Apenas recebe cada vez mais pedradas no focinho peludo, nas patas
e no corpo. Decide subir até à árvore ao lugar de onde voam as pedras.
Belchior fica sozinho por segundos e começa a sentir
que alguém o liberta daquela fina e forte teia que o aperta.
- Schiuuuu! Sou eu, a Esmeralda! Tu não me consegues
ver porque tomei a poção da invisibilidade para poder escapar à maléfica
Suzete. Quase nos apanhava, a mim e ao João Miguel. Vou libertar-te Belchior,
mas se continuares a perseguir-nos juro-te que apareço assim invisível na tua
toca e CORTO-TE AS ORELHAS!
O coelho cinzento chora duas lágrimas de satisfação
que lhe deslizam até aos grandes bigodes na ponta do focinho, e responde
baixinho:
Palavra de Belchior
É palavra verdadeira
Ficar vivo é bem melhor
Que morrer nesta clareira
Prometo que não persigo
Prometo que já não corro
Eu sou muito vosso amigo
Salva-me, senão eu morro
Enquanto Dona Suzete permanece distraída com a chuva
de pedras que o invisível João Miguel lhe lança do alto do carvalho, Esmeralda
liberta Belchior facultando-lhe a salvação.
Nunca mais irei esquecer
Este gesto de bondade
Agora irei viver
Com maior felicidade
Vou atrair a aranha
Para que possam fugir
Ela é lenta, não me apanha
E vocês podem seguir
Com saltos repetidos, uns atrás dos outros, na mesma
posição, Belchior acicata a grande aranha branca que, furiosíssima, se vira a ele
tentando-o alcançar.
- Ai se eu te apanho, coelho maldito, nem sabes o que te
vai acontecer! Como é que tu te conseguiste libertar, ó orelhudo cinzento e felpudo?
Assim que te colocar as patas em cima vais arrepender-te do que acabaste de fazer.
Belchior segue a saltitar, sem pressas, para a zona norte
da floresta de Okatonga, levando atrás de si a abespinhada Dona Suzete que não para
de barafustar.
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