quinta-feira, 21 de junho de 2012

INVISIBILIDADE


19 de Junho de 2012

22 – INVISIBILIDADE


- Assustá-los ou comê-los? – pensa a aranha Suzete antes de tomar uma decisão. – Que beleza ter estas dúvidas deliciosas, sentir nascer água na boca com o cheirinho apetitoso e tenro que sobe desde aquela clareira. Vou comê-los! Está decidido e não vale a pena pensar mais no assunto.
Dona Suzete avança com a firme intenção de comer João Miguel e Esmeralda.
Os pássaros param de cantar.
O vento deixa de soprar.
As folhas e ramagens desistem de sussurrar.
Esmeralda levanta-se instintivamente como se tivesse uma mola debaixo de si. Tira um frasco minúsculo da pequena bolsa que traz sempre a tiracolo, e bebe o seu conteúdo incolor com avidez. Diz para João Miguel fazer o mesmo, e ele bebe o resto do líquido sem se levantar, sem questionar, sem hesitar. O menino experimenta algo de estranho a vibrar na floresta, como se um recém-adquirido novo sentido o alertasse para a existência de grande perigo.
Instantes antes de Dona Suzete os devorar, Esmeralda e João Miguel desaparecem misteriosamente da clareira deixando a grande aranha branca com cara de poucos amigos.
- Mas como é que isto pode ter acontecido? Onde se terão metido as duas tenras criaturas? Desapareceram misteriosamente, de um momento para o outro, mesmo em frente dos meus quatro olhos. Será que estou a ver bem ou preciso de dois pares de óculos? Isto é coisa muito misteriosa. Ainda sinto o cheiro perfumado das crianças espalhado pela clareira. É mais visível do que os seus corpos que daqui desapareceram. Magia, Feitiçaria! É isso que aqui se está a passar?

Um, dois, três, quatro, encontrar o João Miguel
Cinco, seis, sete, oito, levá-lo para o quartel
Nove, dez, onze, doze, são ordens do coronel

Um, dois, três, quatro, segui-lo por este troço
Cinco, seis, sete, oito, prendê-lo num calabouço
Nove, dez, onze, doze, antes da hora de almoço

Um, dois, três, quatro, tenho de o descobrir
Cinco, seis, sete, oito, impedi-lo de fugir
Nove, dez, onze, doze, não me posso distrair

Belchior salta e corre e pula com tanto empenho e concentração, que nem dá conta da presença de Dona Suzete junto à clareira. Choca com ela com tamanha violência que os dois ficam tombados no meio do chão de barriga para o ar. A aranha é rápida a reagir, vira-se com destreza e avança até ao coelho cinzento. Começa a envolvê-lo com uma teia fina mas poderosa enquanto pergunta:
- Como te atreves a atacar-me desta maneira traiçoeira? Não sabes com quem te acabaste de meter, coelho louco e insolente? A tua hora chegou, encontraste Suzete no pior dos dias para provocar a sua ira.
Com voz amedrontada, o coelho responde:


Tento encontrar o João
Um menino visitante
é um perigo para a nação”
Palavras do presidente

Desculpe senhora aranha
Não era minha intenção
Mil perdões pela façanha
Do fundo do coração 

Mestre Tino me enviou
Para dar conta do recado
Mas agora que me apanhou
Ai de mim, estou condenado

Dona Suzete pensa duas vezes antes de engolir o apetitoso coelho Belchior. Se calhar é boa ideia dar uso ao animal saltitante para conseguir encontrar as crianças desaparecidas.
- Falas só desse tal João Miguel mas, na verdade, ele anda acompanhado de uma rapariga que não tem ar de visitante. São dois os fugitivos, não apenas um! Que raio de ordens te deu esse tal presidente Tino?
Do alto de um frondoso e velho carvalho começam a chover pedras que caem junto à aranha branca. Algumas acertam-lhe em cheio na cabeça causando-lhe muita dor e desconforto. Suzete, cada vez mais irritada, olha para o alto da árvore com os seus quatro olhos de cristal mas não consegue ver ninguém. Apenas recebe cada vez mais pedradas no focinho peludo, nas patas e no corpo. Decide subir até à árvore ao lugar de onde voam as pedras.
Belchior fica sozinho por segundos e começa a sentir que alguém o liberta daquela fina e forte teia que o aperta.
- Schiuuuu! Sou eu, a Esmeralda! Tu não me consegues ver porque tomei a poção da invisibilidade para poder escapar à maléfica Suzete. Quase nos apanhava, a mim e ao João Miguel. Vou libertar-te Belchior, mas se continuares a perseguir-nos juro-te que apareço assim invisível na tua toca e CORTO-TE AS ORELHAS!
O coelho cinzento chora duas lágrimas de satisfação que lhe deslizam até aos grandes bigodes na ponta do focinho, e responde baixinho:

Palavra de Belchior
É palavra verdadeira
Ficar vivo é bem melhor
Que morrer nesta clareira

Prometo que não persigo
Prometo que já não corro
Eu sou muito vosso amigo
Salva-me, senão eu morro

Enquanto Dona Suzete permanece distraída com a chuva de pedras que o invisível João Miguel lhe lança do alto do carvalho, Esmeralda liberta Belchior facultando-lhe a salvação.

Nunca mais irei esquecer
Este gesto de bondade
Agora irei viver
Com maior felicidade

Vou atrair a aranha
Para que possam fugir
Ela é lenta, não me apanha
E vocês podem seguir

Com saltos repetidos, uns atrás dos outros, na mesma posição, Belchior acicata a grande aranha branca que, furiosíssima, se vira a ele tentando-o alcançar.
- Ai se eu te apanho, coelho maldito, nem sabes o que te vai acontecer! Como é que tu te conseguiste libertar, ó orelhudo cinzento e felpudo? Assim que te colocar as patas em cima vais arrepender-te do que acabaste de fazer.
Belchior segue a saltitar, sem pressas, para a zona norte da floresta de Okatonga, levando atrás de si a abespinhada Dona Suzete que não para de barafustar.


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