29 de Abril de 2012
8 – CURATIVO
O João Miguel fica muito estranho vestido de pijama e
calçado com botas negras. Estas não são as roupas de um explorador. Esmeralda,
contudo, parece ter outra opinião:
- Perfeito! Agora sim, estás pronto para explorar a
floresta! As botas protegem-te os pés e as canelas. Já podes correr e saltar,
já podes atravessar os riachos e as cascatas, avançar pela densa vegetação de
Okatonga, visitar o quartel-general dos soldados-sapo… e até acompanhar o veloz
coelho Belchior. Vais conseguir fazer tudo isso, e muito mais.
O menino não tem assim tantas certezas. Afinal de
contas, continua sem saber onde está e não descobre pistas em nenhum lugar. Não
existe nenhuma indicação sobre qual o caminho a seguir. Esmeralda tem de o
ajudar. Só mesmo ela lhe pode dar informações acerca da floresta, da vila de
Zebedeu, da direção a escolher para lá chegar. E o João Miguel pede-lhe
auxílio:
- Tens de me ajudar! Eu não sei nada acerca de
Okatonga. Esta é a minha primeira visita, sinto-me perdido no meio desta
floresta, e apesar de já ter umas botas novas, ainda me doem muito os pés.
A minúscula menina sorri enquanto o escuta. Depois
corre muito depressa para junto da sequoia e desaparece, misteriosamente,
durante alguns segundos. Passado esse instante, reaparece tão misteriosamente
como tinha desaparecido. Nas mãos traz um frasco de vidro colorido, que quase
deixa cair, com um líquido escuro no interior. É grande demais para ela e sente
dificuldade em transportá-lo.
- Ajuda-me João Miguel! Fui buscar este bálsamo que te
vai sarar os pés num abrir e fechar de olhos. Anda lá, ajuda-me, não vês que o frasco
é quase do meu tamanho?
O menino baixou-se, agarrou o recipiente de vidro castanho
que está fechado por uma pequena rolha de cortiça idêntica às das garrafas de
champanhe. Lá dentro mora um líquido muito escuro de aparência viscosa. O
frasco é velho, tem forma cilíndrica e está meio cheio. Talvez estivesse
guardado debaixo do chão pois tem terra seca colada ao vidro.
- O que é isto, Esmeralda? Não me digas que é uma das
famosas poções do anão Zebedeu?
A menina coloca o indicador direito na frente da sua
boca pequenina enquanto faz uma cara muito séria.
- SHIUUUUU!!! Fala baixo! Não se pode dizer esse nome
assim tão alto. Alguém nos pode escutar. As poções de Zeb…., desse que tu bem
sabes, são cada vez mais raras e valiosas. Devemos ter muito cuidado, mesmo
muito cuidado. Se alguém vier a saber da existência deste frasco, tudo ficará
bem mais perigoso para nós, mas especialmente para mim.
O João Miguel mostra-se admirado com as palavras de
Esmeralda e pergunta-lhe baixinho:
- O que é que eu faço com o isto?
E a menina responde em surdina:
- Abres o frasco, deitas três gotas do líquido para
dentro de cada uma das botas, com todo o cuidado. Nem mais, nem menos! Três
gotas serão suficientes para que os teus pés fiquem como novos. Mas
despacha-te, pois temos de sair daqui rapidamente.
E o menino assim faz. Abre o frasco com todo o
cuidado, vira o gargalo na direção do cano alto das botas, que alarga
ligeiramente, e verte uma, duas, três gotas do líquido lá para dentro. Faz o
mesmo para a bota do pé esquerdo. Verte uma, duas, três gotas de líquido para o
seu interior.
- Já está! E agora?
Esmeralda pega no frasco, fecha-o, corre conforme pode
para junto da sequoia e desaparece tão misteriosamente como tinha aparecido.
- Esmeralda! Esmeralda! Onde estás?? Esmeralda… não me
deixes aqui sozinho! Ajuda-me! Não sei onde estou nem para onde ir. Esmeralda!
Mas Esmeralda não responde, nem volta a aparecer. João
Miguel dá voltas e mais voltas ao redor da grande árvore, escava, escava, e
volta a escavar… mas nada. Não encontra nenhum sinal da sua existência. Fica cansado
de tanto procurar e acaba por desistir.
Subitamente, saltando vindo não se sabe de onde, o
veloz Belchior aparece, agarra na caixa branca vazia, na tampa e no laçarote e
volta a saltitar pelo interior de Okatonga ao som desta nova canção:
- Um, dois, três, quatro, semeada na floresta
Cinco, seis, sete, oito, uma flor muito funesta
Nove,
dez, onze, doze, com perfume de giesta
Um, dois,
três, quatro, semeada nesta banca
Cinco, seis, sete, oito, uma caixa de cor branca
Nove,
dez, onze, doze, com perfume de tamanca
Um, dois,
três, quatro, vem agora atrás de mim
Cinco, seis, sete, oito, se quiseres comer pudim
Nove,
dez, onze, doze, na festa do meu jardim
Sem pensar duas vezes, o João Miguel arranca em
perseguição do coelho Belchior. Desta vez, não pode deixá-lo escapar. O animal
salta e corre e avança como um louco pela floresta dentro. A sua velocidade é
tanta que mesmo com botas novas e de pés sarados é difícil acompanhá-lo.
- Um, dois, três, quatro, vem agora atrás de mim
Cinco, seis, sete, oito, se quiseres comer pudim
Nove,
dez, onze, doze, na festa do meu jardim
A voz do coelho começa a soar cada vez mais ao longe,
no interior escuro de Okatonga, mas o menino jura que não vai desistir. Desta
vez o rápido Belchior não vai conseguir escapar. Mesmo cansado de tanta
correria, mesmo ferido nas suas coxas, nos seus braços e nas mãos, mesmo sem
saber onde vai cair cada passo seu, mesmo sem saber para onde está a levá-lo o
peludo e cinzento Belchior, o João Miguel não para de correr. Cada vez é mais
açoitado pelos galhos e ramos das árvores, pelas silvas e cardos, cada vez é
mais maltratado pela densa vegetação e pelos insetos que entretanto acordaram.
As suas bochechas também já estão feridas com pequenos cortes provocados por
sarças afiadas. Mas nem assim o menino desiste ou abranda. Ele sabe que pior do
que ficar com todas estas feridas, será ficar de novo sozinho, perdido na floresta.
Belchior é agora a única hipótese que tem para saber para onde ir.
Belchior pode ser rápido, pode saltar, pode pular e avançar
a toda a velocidade, mas desta vez não lhe irá conseguir escapar.
- Um, dois, três, quatro, semeada no jardim
Cinco, seis, sete, oito, uma flor de carmesim
Nove,
dez, onze, doze, com perfume de jasmim
. Um, dois, três, quatro, já chegámos finalmente
Cinco, seis, sete, oito, meu honrado presidente
Nove,
dez, onze, doze, eis a caixa do presente
. Um, dois, três, quatro, está aqui o Visitante
Cinco, seis, sete, oito, este menino importante
Nove,
dez, onze, doze, corre mais do que o Gigante
Sem o menino ter dado conta, a floresta abriu-se dando
lugar a uma imensa clareira.
E o inimaginável espreguiça-se agora à frente dos olhos
de João Miguel.
Sem comentários:
Enviar um comentário