segunda-feira, 30 de abril de 2012

CURATIVO


29 de Abril de 2012





8 – CURATIVO


O João Miguel fica muito estranho vestido de pijama e calçado com botas negras. Estas não são as roupas de um explorador. Esmeralda, contudo, parece ter outra opinião:
- Perfeito! Agora sim, estás pronto para explorar a floresta! As botas protegem-te os pés e as canelas. Já podes correr e saltar, já podes atravessar os riachos e as cascatas, avançar pela densa vegetação de Okatonga, visitar o quartel-general dos soldados-sapo… e até acompanhar o veloz coelho Belchior. Vais conseguir fazer tudo isso, e muito mais.
O menino não tem assim tantas certezas. Afinal de contas, continua sem saber onde está e não descobre pistas em nenhum lugar. Não existe nenhuma indicação sobre qual o caminho a seguir. Esmeralda tem de o ajudar. Só mesmo ela lhe pode dar informações acerca da floresta, da vila de Zebedeu, da direção a escolher para lá chegar. E o João Miguel pede-lhe auxílio:
- Tens de me ajudar! Eu não sei nada acerca de Okatonga. Esta é a minha primeira visita, sinto-me perdido no meio desta floresta, e apesar de já ter umas botas novas, ainda me doem muito os pés.
A minúscula menina sorri enquanto o escuta. Depois corre muito depressa para junto da sequoia e desaparece, misteriosamente, durante alguns segundos. Passado esse instante, reaparece tão misteriosamente como tinha desaparecido. Nas mãos traz um frasco de vidro colorido, que quase deixa cair, com um líquido escuro no interior. É grande demais para ela e sente dificuldade em transportá-lo.
- Ajuda-me João Miguel! Fui buscar este bálsamo que te vai sarar os pés num abrir e fechar de olhos. Anda lá, ajuda-me, não vês que o frasco é quase do meu tamanho?
O menino baixou-se, agarrou o recipiente de vidro castanho que está fechado por uma pequena rolha de cortiça idêntica às das garrafas de champanhe. Lá dentro mora um líquido muito escuro de aparência viscosa. O frasco é velho, tem forma cilíndrica e está meio cheio. Talvez estivesse guardado debaixo do chão pois tem terra seca colada ao vidro.
- O que é isto, Esmeralda? Não me digas que é uma das famosas poções do anão Zebedeu?
A menina coloca o indicador direito na frente da sua boca pequenina enquanto faz uma cara muito séria.
- SHIUUUUU!!! Fala baixo! Não se pode dizer esse nome assim tão alto. Alguém nos pode escutar. As poções de Zeb…., desse que tu bem sabes, são cada vez mais raras e valiosas. Devemos ter muito cuidado, mesmo muito cuidado. Se alguém vier a saber da existência deste frasco, tudo ficará bem mais perigoso para nós, mas especialmente para mim.
O João Miguel mostra-se admirado com as palavras de Esmeralda e pergunta-lhe baixinho:
- O que é que eu faço com o isto?
E a menina responde em surdina:
- Abres o frasco, deitas três gotas do líquido para dentro de cada uma das botas, com todo o cuidado. Nem mais, nem menos! Três gotas serão suficientes para que os teus pés fiquem como novos. Mas despacha-te, pois temos de sair daqui rapidamente.
E o menino assim faz. Abre o frasco com todo o cuidado, vira o gargalo na direção do cano alto das botas, que alarga ligeiramente, e verte uma, duas, três gotas do líquido lá para dentro. Faz o mesmo para a bota do pé esquerdo. Verte uma, duas, três gotas de líquido para o seu interior.
- Já está! E agora?
Esmeralda pega no frasco, fecha-o, corre conforme pode para junto da sequoia e desaparece tão misteriosamente como tinha aparecido.
- Esmeralda! Esmeralda! Onde estás?? Esmeralda… não me deixes aqui sozinho! Ajuda-me! Não sei onde estou nem para onde ir. Esmeralda!
Mas Esmeralda não responde, nem volta a aparecer. João Miguel dá voltas e mais voltas ao redor da grande árvore, escava, escava, e volta a escavar… mas nada. Não encontra nenhum sinal da sua existência. Fica cansado de tanto procurar e acaba por desistir.
Subitamente, saltando vindo não se sabe de onde, o veloz Belchior aparece, agarra na caixa branca vazia, na tampa e no laçarote e volta a saltitar pelo interior de Okatonga ao som desta nova canção:

- Um, dois, três, quatro, semeada na floresta
Cinco, seis, sete, oito, uma flor muito funesta
            Nove, dez, onze, doze, com perfume de giesta

  Um, dois, três, quatro, semeada nesta banca
Cinco, seis, sete, oito, uma caixa de cor branca
            Nove, dez, onze, doze, com perfume de tamanca

  Um, dois, três, quatro, vem agora atrás de mim
Cinco, seis, sete, oito, se quiseres comer pudim
            Nove, dez, onze, doze, na festa do meu jardim

Sem pensar duas vezes, o João Miguel arranca em perseguição do coelho Belchior. Desta vez, não pode deixá-lo escapar. O animal salta e corre e avança como um louco pela floresta dentro. A sua velocidade é tanta que mesmo com botas novas e de pés sarados é difícil acompanhá-lo.
- Um, dois, três, quatro, vem agora atrás de mim
Cinco, seis, sete, oito, se quiseres comer pudim
            Nove, dez, onze, doze, na festa do meu jardim
A voz do coelho começa a soar cada vez mais ao longe, no interior escuro de Okatonga, mas o menino jura que não vai desistir. Desta vez o rápido Belchior não vai conseguir escapar. Mesmo cansado de tanta correria, mesmo ferido nas suas coxas, nos seus braços e nas mãos, mesmo sem saber onde vai cair cada passo seu, mesmo sem saber para onde está a levá-lo o peludo e cinzento Belchior, o João Miguel não para de correr. Cada vez é mais açoitado pelos galhos e ramos das árvores, pelas silvas e cardos, cada vez é mais maltratado pela densa vegetação e pelos insetos que entretanto acordaram. As suas bochechas também já estão feridas com pequenos cortes provocados por sarças afiadas. Mas nem assim o menino desiste ou abranda. Ele sabe que pior do que ficar com todas estas feridas, será ficar de novo sozinho, perdido na floresta. Belchior é agora a única hipótese que tem para saber para onde ir.
Belchior pode ser rápido, pode saltar, pode pular e avançar a toda a velocidade, mas desta vez não lhe irá conseguir escapar.

- Um, dois, três, quatro, semeada no jardim
Cinco, seis, sete, oito, uma flor de carmesim
            Nove, dez, onze, doze, com perfume de jasmim

. Um, dois, três, quatro, já chegámos finalmente
Cinco, seis, sete, oito, meu honrado presidente
            Nove, dez, onze, doze, eis a caixa do presente

. Um, dois, três, quatro, está aqui o Visitante
Cinco, seis, sete, oito, este menino importante
            Nove, dez, onze, doze, corre mais do que o Gigante

Sem o menino ter dado conta, a floresta abriu-se dando lugar a uma imensa clareira.
E o inimaginável espreguiça-se agora à frente dos olhos de João Miguel.

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