16 de ABRIL 2012
3 – DESPENSA
- E agora é hora
de dormir! Adeus meu querido, dorme bem e até amanhã.
Os olhos do João
Miguel continuaram bem abertos. A história despertou-lhe a atenção e mal a mãe
apagou a luz do quarto, pôs-se a imaginar como seria Okatonga e a casa de
Zebedeu, como seria a paisagem e os rios, o monte, a gruta e a chegada à
floresta. Imagina a vila onde o anão alquimista vivia antes de se esconder na
zona mais sombria da floresta, imagina a cara e as vestes do anão, imagina o
quarto de banho, o seu imenso espelho, as cores e as formas dos frascos onde
guarda as poções. O João Miguel não consegue adormecer. Prometeu à mãe não
fugir para o seu quarto, mas não lhe tinha prometido ficar quieto. O rapaz vai
tentar encontrar o famoso saco invisível das histórias. Ele sabe que a mãe o
guarda lá em baixo algures na despensa da cozinha. É de lá que lhe escuta os
ruídos sempre que ela desce para lhe ir buscar uma nova história. Só pode mesmo
ser aí, até porque a garagem não cheira lá muito bem e está cheia de aranhas. A
mãe tem pavor de aranhas e por isso não se atreveria a guardar o saco invisível
na garagem.
Pé ante pé, saiu
do quarto para o corredor e avançou silenciosamente até às escadas. Desceu sem
barulho para o piso inferior e deslocou-se para a cozinha. Parou em frente à
porta da despensa onde permaneceu por um minuto a reflectir. Ele sabe que a mãe
não aprecia a sua teimosia e que ficará furiosa se o descobrir. Esta já não é a
primeira nem a segunda vez que o menino tenta encontrar o esconderijo do saco invisível.
Nas duas excursões anteriores não o conseguiu descobrir mas, desta vez, o
coração bate tão depressa que parece dizer-lhe ser hoje a noite de todas as
descobertas.
Abriu a porta.
As histórias
parecem gritar dentro da despensa.
O minuto tinha
passado e as prateleiras brancas dão-lhe as boas-noites. No escuro, os pacotes
de arroz, massas, açúcar e leite parecem soldados bem alinhados. A sua mãe é
metódica e organizada. A arrumação dos mantimentos obedece a rituais quase tão
secretos e misteriosos como a própria localização do saco invisível. É hoje que
vai arranjar finalmente coragem para subir aquele pequeno escadote que o
ajudará a alcançar a mais alta das prateleiras. Deve ser ali, bem lá no alto,
que a mãe guardou o saco, só pode mesmo ser ali.
- É hoje! Nada
me vai impedir de ver o que está guardado na mais alta das prateleiras. Começo
a sentir o mau cheiro do anão Zebedeu que nunca toma banho. Consigo escutar os
mais de mil viajantes que todos os dias chegam à vila da floresta de Okatonga.
Vejo a gruta escura que têm de atravessar e até sinto a humidade que fez
crescer as estalagmites e as estalactites. É como se a despensa também lhe
pertencesse. Vejo a luz esverdeada que indica a saída e consigo ver a floresta
perdida em toda a sua extensão. OH! Não pode ser verdade!? Eu consigo MESMO ver
a floresta perdida de Okatonga. Está mesmo ali, no fim daquela luz esverdeada.
Mas como é que eu aqui cheguei?
O João Miguel,
sem ter percebido, ao tocar na prateleira mais alta da despensa da cozinha, fez
tombar por sobre si o saco invisível das histórias da mãe. Ao contrário do que
ele supunha, o saco era grande, tão grande que acabou por engoli-lo
completamente transportando-o até a história que dentro dele trazia guardada.
- Mas como é que
eu vim aqui parar? Como é que eu vim aqui parar?
Sem tempo para
respirar, o João Miguel, que tapava a saída da gruta, foi empurrado para a
frente por um dos muitos viajantes.
Os seus olhos
vivos bebem agora a beleza da paisagem de Okatonga. A floresta ocupa toda a
linha do horizonte e abrange tudo aquilo que a vista alcança. O João Miguel não
tem medo de a explorar. Não tem medo das consequências que a sua investigação
lhe possa trazer. Não tem receio porque nenhuma das histórias da mãe acabou com
um final infeliz. Se ele teve a sorte de vir parar dentro desta nova história,
então esta também será uma história que terá, obrigatoriamente, um final feliz.
É nisso que ele acredita, do fundo do coração. É por isso que o João Miguel
decidiu aventurar-se, de pijama e chinelos, pela gigantesca floresta perdida de
Okatonga, pátria do anão alquimista que todos conhecem pelo nome de Zebedeu.
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