15 de ABRIL 2012
2 – MULTIDÃO
A floresta de Okatonga localizava-se
na zona mais a norte do país com o mesmo nome. Para se chegar até lá era
necessário atravessar dois rios e dois vales. Depois, tinha-se de subir um
grande monte, percorrer com cuidado o seu cume, contorná-lo, descer pela outra
encosta, mais verdejante, entrar numa pequena gruta junto ao seu sopé, seguir
atentamente as indicações muito antigas que estavam pintadas nas extensas
galerias, evitar tocar nas estalagmites e estalactites que se encontravam
semeadas um pouco por toda a parte e encontrar uma luz esverdeada que aparecia
a determinada altura do percurso a indicar a saída. Era assim que, finalmente,
se chegava à orla da famosa floresta perdida de Okatonga.
Na verdade, chamava-se floresta
perdida mas todos começavam a saber como lá chegar. Isso aconteceu porque os
produtos do anão Zebedeu ganharam fama tremenda. Foi difícil manter a novidade
dentro das fronteiras da floresta e os viajantes começaram a chegar. Primeiro
vieram apenas uns quantos viajantes solitários, depois chegaram às dezenas,
mais tarde já eram centenas até que, no período do verão, dias houve em que
chegavam à floresta mais de mil viajantes a procurar o famoso anão alquimista
para lhe comprarem os tão desejados bálsamos. Era uma canseira, só de ver assim
tanta gente a atravessar os dois rios, os dois vales. Depois escalavam o monte,
percorriam-no com cuidado, desciam pela sua encosta - alguns caíam - entravam
na gruta, seguiam as indicações pintadas nas galerias, evitavam as estalagmites
e estalactites - alguns não conseguiam - observavam a luz esverdeada que
indicava a saída e, finalmente, chegavam à orla da floresta de Okatonga. Era
uma terrível canseira!
Se tantos se faziam ao caminho
era porque o prémio devia ser extraordinário. As poções, cremes e bálsamos de
Zebedeu mereciam todos esses esforços. As aventuras e os receios pelas quais
tinham de passar mereciam todos esses esforços.
A pequena vila onde o anão
habitava começou a crescer e tornou-se um autêntico formigueiro humano com tudo
de bom e de mau que esta nova situação lhe causava.
- Tanta gente na floresta faz-lhe
muito mal, não é mãe? As pessoas que não têm cuidado assustam os animais,
estragam as plantas e a vegetação, deitam lixo para o chão ou, pior ainda,
podem até provocar algum incêndio! Mas quem terá informado essas pessoas de que
na floresta vivia o anão Zebedeu? Alguma bruxa invejosa, algum comerciante ou
turista tonto, não achas mãe? Será que na floresta passeiam turistas e feirantes
e vendedores como os das feiras? E haverá bruxas em Okatonga? Têm de existir
bruxas em Okatonga porque em todas as florestas conhecidas moram bruxas
invejosas e anões esquisitos como o Zebedeu. E depois, mãe, o que foi que
aconteceu?
O João Miguel começou a fazer as
perguntas do costume. Sempre que uma nova história sai do saco invisível,
sempre que essa história o cativa e lhe atiça a curiosidade, eis que começam a
saltar as perguntas sobre tudo e mais alguma coisa.
- Não sei! Não sei mesmo o que foi
que aconteceu. Não existem mais folhas neste livro. Tu bem sabes que, quando
fica tarde, o saco invisível pede de volta a história para que possamos
descansar. Amanhã, como disseste, é sábado e a história vai continuar.
Oh! Vá lá mãe! Isso é muito chato!
Agora que a história ia começar e tu me ias contar os porquês, vamos ter de
dormir? Não me apetece nada. Conta só mais um bocadinho! Eu prometo que não te
interrompo mais mãe, prometo, prometo, prometo!
À medida que os viajantes iam
chegando à floresta perdida de Okatonga - nome que deixou de fazer qualquer
sentido - crescia cada vez mais a fama de Zebedeu, e crescia cada vez mais a
inveja dos outros anões alquimistas. A floresta, agora, era tudo menos uma
floresta perdida. Dizem que mais de vinte e cinco mil pessoas a visitaram desde
que ficaram famosos os bálsamos e os cremes extraordinários do pequeno anão
Zebedeu.
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