sábado, 14 de abril de 2012

ZEBEDEU


13 de ABRIL 2012



1 – ZEBEDEU


- Não olhes assim para mim. Porque me olhas assim? Não tenho mais nada para contar. Acabei e estou muito cansada. Pode ser que amanhã o dia me dê forças para te contar mais uma história.
O pequeno não tem sono, apenas vontade de escutar a voz melodiosa da mãe, apenas vontade em imaginar as cores dos enredos e de tantas personagens que habitam nessas histórias.
- Vá lá mãe, mais uma. Conta-me outra história que não tenho sono e amanhã é sábado. Ninguém as sabe contar como tu. Prometo-te que se me inventares uma eu não fujo de noite para a tua cama como das outras vezes. Eu prometo… e com anões e coelhos e sapos, mãe, está bem!? Pode ter sapos e anões. Tu sabes que eu gosto de sapos às cores e de bolos de aniversários e de festas, como aquela festa maluca da Alice no País das Maravilhas em que aparece o Chapeleiro Louco… vá lá mãe, faz-me a vontade! Conta! Conta lá…
- Acalma-te João, credo! Até parece que as histórias vão acabar. Tu sabes que é o saco invisível da mãe que guarda as histórias de que tu tanto gostas. Hoje deixou-me retirar as duas que te contei e não sei se ele aceitará oferecer-te mais uma sem ficar zangado. É um abuso pedir-lhe três histórias de uma vez, só para te fazer a vontade.
O João Miguel não gosta nada de desculpas, apenas de histórias. O saco invisível da mãe não se zangará se lhe pedir mais uma história. Ele é um grande amigo. Todas as histórias que o saco lhe ofereceu são incríveis, e são bem mais engraçadas do que as histórias dos muitos livros que o João Miguel tem no seu quarto.
- Pede-lhe uma mais pequena, eu não me importo. Mas tem de ter anões, coelhos e sapos às cores, está bem mãe, pede uma com sapos às cores.
Quem consegue recusar algo a este menino de olhos cativantes e voz da cor do mel? Ninguém, muito menos a mãe que já saiu do quarto para preparar o seu teatro. Faz de conta que corre pelo corredor, desce as escadas, volta a subi-las e, ao entrar novamente no quarto já tinha nascido mais uma história para contar ao João Miguel.
Era uma vez, há muito, muito tempo, ainda os animais falavam, vivia numa escura floresta um anão feio e vaidoso chamado Zebedeu. A casa onde morava mal se percebia. Folhas, ramos, troncos esquecidos e pedras carregadas de musgo foram os materiais utilizados por Zebedeu para que ninguém o pudesse localizar naquela sombria zona da floresta onde até o sol mal conseguia chegar. Estava encostada a um castanheiro centenário e era ali que ele se sentia bem.
O anão não gostava de se lavar e, por esse motivo, não apreciava dias chuvosos, nem os dias de muito sol e calor. Também não gostava dos dias em que nevava, nem de dias ventosos, nem de dias primaveris, pois é alérgico a pólen e passava os dias a espirrar assim que a Primavera nascia e o Inverno se despedia. Não gosta de formigas porque lhe invadem o quarto sem pedirem licença, não gosta de mosquitos porque o impedem de descansar, não gosta de mochos nem de corujas porque cantam de noite e não o deixam dormir, não gosta de grilos nem de cigarras porque cantam de dia e não o deixam dormir. Zebedeu, afinal, parecia não gostar de muitas coisas na floresta, a não ser dele próprio, da sua cara feia e de um gigantesco espelho onde passava horas a admirar-se.
O anão Zebedeu tem centenas de cremes de beleza dentro de boiões de vidros coloridos no seu quarto de banho. Não tem banheira, lavatório nem bidé, mas foi aqui que pendurou, numa parede, o famoso e gigantesco espelho capaz de o refletir de alto abaixo e em frente ao qual passava grande parte dos seus dias.
- Posso fazer-te uma pergunta, mãe?
- Sim meu querido, qual é?
- Porque é que o Zebedeu vive na floresta se são tantas as coisas nela que o incomodam? Vê se no livro há resposta para isto.
Zebedeu vive na floresta de Okatonga porque só aí se conseguem encontrar os ingredientes naturais necessários para o fabrico dos seus cremes de beleza. Ele é um anão alquimista especializado em cremes naturais que não só embelezam como, segundo dizem, conseguem retardar o envelhecimento. É por este motivo que o anão se escondeu no lado mais sombrio de Okatonga. Todos desejavam os seus famosos produtos. Zebedeu ganhou muita fama e riqueza mas cansou-se de aturar tanta gente, todos os dias, a exigir cada vez mais produtos, cremes e bálsamos extraordinários. Até que um dia, decidiu desaparecer para sempre ou, pelo menos, durante um bocadinho de sempre.
- Mamã, isso não pode ser! Ninguém consegue desaparecer durante um bocadinho de sempre.
- Pode sim, João Miguel! O anão Zebedeu decidiu desaparecer por uns tempos porque ninguém o deixava descansar.
O alquimista sabia fórmulas muito secretas para criar cremes maravilhosos e todos eles prolongavam a beleza das pessoas. Pastas espantosas permitiam, por exemplo, tornar as sobrancelhas douradas e brilhantes, outros cremes impediam a formação de olheiras, outros mantinham a pele rosada por três semanas, outros impediam que a barba crescesse durante dois dias, alguns faziam crescer novamente as cabeleiras a quem sofria de calvice ou de queda acentuada dos cabelos. Tinha bálsamos para acrescentar luz a todos os sorrisos, para evitar o aparecimento de borbulhas, para ajudar a cicatrizar arranhões e feridas em menos de trinta minutos, para fazer crescer um centímetro de unha num minuto e até, imagine-se, para retorcer pestanas minúsculas e quebradiças que ficavam fortes e onduladas com apenas duas rápidas aplicações.
O anão Zebedeu tinha bálsamos e cremes para quase mil aplicações. Por esse motivo, os pedidos e a procura dos seus produtos não paravam de aumentar. Ele acabou por se cansar e fugiu para esse lugar mais recatado da floresta de Okatonga onde só as formigas, os mosquitos e as corujas o vão visitar. Diverte-se na sua ocupação predileta – experimentar novos produtos naturais em frente ao grande espelho que pendurou na parede do seu quarto de banho.
- Mãe, não te esqueças dos sapos e dos coelhos! Quando será que eles aparecem na história?
O menino não dá sinais de cansaço e está agora mais desperto do que no início da primeira história que a mãe lhe contou. Consegue imaginar a figura do anão alquimista como aquelas senhoras que usam cremes em toda a cara e colam fatias circulares de pepino nos olhos. Imagina-o de cabelo enrolado numa toalha branca e o corpo dentro de um robe perfumado. Só que este anão não se lava, não toma banho, não gosta de água. Deve ser um anão que cheira mal, que deve mesmo cheirar muito mal…

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