terça-feira, 27 de novembro de 2012

O MAIS BELO DE TODOS OS JARDINS



28 de Novembro de 2012

56 – O MAIS BELO DE TODOS OS JARDINS

O sol, acabado de nascer, transforma o jardim num imenso arco-íris. Flores de todas as cores embelezam os relvados e os canteiros, que se encontram espalhados um pouco por toda a parte.
São vinte e quatro as estátuas que circundam o lago octogonal. Os passeios que o rodeiam são largos e terminam em dois degraus que descem até um imenso relvado que se estende até onde a vista alcança.
O jardim não tem muros a cercá-lo, é imenso e, para qualquer lado que se olhe, tudo se encontra composto, organizado e muito harmonioso. Não existe uma ponta de relva mais alta do que outra, as palmeiras são quase todas da mesma altura, os candeeiros estão espaçados os mesmos metros entre si e as árvores e sebes estão lindamente aparadas.
Os mármores do pavimento junto ao lago brilham como um espelho. A água é tão límpida, tão cristalina, que os peixes dourados parecem nadar no vazio. Os elegantes repuxos espiralados soam compassados e caem, segundo a segundo, na água do lago, permitindo calcular o tempo com facilidade. O menino conta sessenta mergulhos de sessenta repuxos e sorri de contentamento.
A água está tépida, e os peixes dançam e brilham como estrelas ao luar.
- Que jardim maravilhoso! Nem vale a pena dizer que é o mais bonito jardim que alguma vez visitei. Tudo o que existe em Okatonga não para de me surpreender. E pensar que aqui por baixo existem subterrâneos escuros, imundos e mal-cheirosos.
João Miguel descalça as botas negras para retirar o resto das águas sujas que lhe causam desconforto. O pijama, o cabelo e o corpo ainda estão todos molhados.
- Que bom seria ter uma toalha para me enxugar. Ainda me vou constipar! A avó Dulce anda sempre atrás de mim, de chinelos na mão. Não gosta nada que eu ande descalço pela casa ou me esqueça de secar o cabelo depois do banho. Está sempre a dizer que me constipo, e que a culpa é toda minha se isso acontecer. Ai se ela me visse agora neste estado, o que teria ela para me dizer?
O menino pendura a camisa do pijama num pequeno arbusto, virado para o sol, juntamente com as botas militares já desatadas. Senta-se na relva curta, que de tão bem aparada, se assemelha a um gigantesco tampo de mesa de bilhar.
Está calor e em breve tudo estará seco para que a aventura possa continuar.
- O farol é imponente e muito bonito. Tem sete riscas brancas e cinco vermelhas, e as luzes piscam em tons de verde e azul, quase tão intensas como o sol da manhã.
João Miguel resolve levantar-se e dar pequenos passos na direção do farol de onde chegam, com clareza, as mesmas duas vozes de há pouco:
- Aqui, estamos aqui, João Miguel! É no alto do farol que terás de nos vir salvar! Aqui, estamos aqui em cima, João Miguel! É no alto deste farol que terás de nos vir salvar!
Já não resta nenhuma dúvida. Foi ali, bem no alto do farol, que o malvado Mestre Tino prendeu os reis de Okatonga. O buldogue tirano enviou os ministros Aroma e Amora pelos túneis do esquecimento até estes jardins escondidos no interior do palácio da cidadela. Encarceraram os reis Alberto e Alberta no alto do edifício para que nunca mais pudessem ser resgatados.

- Um, dois, três, quatro, semeada no jardim
Cinco, seis, sete, oito, uma flor carmesim
Nove, dez, onze, doze, com perfume de jasmim

Um, dois, três, quatro, semeada no quintal
Cinco, seis, sete, oito, uma flor do olival
Nove, dez, onze, doze, com perfume outonal

Um, dois, três, quatro, semeada na planura
Cinco, seis, sete, oito, uma flor cor de doçura
Nove, dez, onze, doze, com perfume de aventura

Um, dois, três, quatro, semeadas pelo campo
Cinco, seis, sete, oito, as flores cor de sarampo
Nove, dez, onze, doze, brilham como o pirilampo

Um, dois, três, quatro, semeada no jardim
Cinco, seis, sete, oito, esta história, para mim
Nove, dez, onze, doze, nunca mais terá um fim

Vindo, sabe-se lá de onde, o saltitante Belchior pega nas botas e na camisa de pijama do menino e desata a fugir com as peças do vestuário. O João Miguel fica sem reação, por instantes, até que resolve perseguir o animal cinzento, correndo atrás dele como uma flecha.
- Se pensas que vais escapar, estás muito enganado, coelho maluco! – grita o rapaz muito exaltado.

Um, dois, três, quatro, esta bela brincadeira
Cinco, seis, sete, oito, torna a história verdadeira
Nove, dez, onze, doze, vai durar a vida inteira

Um, dois, três, quatro, não me tentes apanhar
Cinco, seis, sete, oito, vou correr até ao mar
Nove, dez, onze, doze, e nas ondas mergulhar

E do alto do farol as vozes repetem, aflitas, o mesmo apelo:
- Aqui, estamos aqui, João Miguel, no alto deste farol! Terás de o subir para nos salvar!
Belchior volta-se para o menino e deita-lhe a língua de fora. Mostra-lhe as botas e a camisa do pijama, agitando-as com as patas bem acima da sua cabeça.

Um, dois, três, quatro, não me consegues chegar
Cinco, seis, sete, oito, sou ligeiro a saltar
Nove, dez, onze, doze, deste para outro lugar

E sem se saber como, o coelho cinzento desaparece de forma tão misteriosa como aparecera. As botas e o pijama caem no meio da relva, no exato lugar onde o ministro saltava com exagero.
O menino resgata as peças de vestuário que ficaram secas com tanta agitação.
Calça-se e veste-se com desembaraço, expressando o seu desagrado com a estranha situação:
- Mas que coelho mais apalermado! Como será que ele aqui chegou? Deve ter usado uma poção de Zebedeu, e isso não é bom sinal. Se calhar, sou só eu a imaginar estas coisas devido ao cansaço provocado pela aventura. Talvez tenha sido uma simples ilusão, ou talvez uma miragem, mas não posso negar que vi e escutei o coelho Belchior! E agora, TENHO DE CUMPRIR COM A MINHA MISSÃO! Tenho de salvar os reis de Okatonga, tenho de salvar Alberto e Alberta antes que algum pesadelo possa alterar, por completo, o rumo da história.
O sol já vai alto, o jardim continua colorido, e o farol aguarda com ansiedade a chegada do ilustre viajante.

Sem comentários:

Enviar um comentário