11 de Novembro de 2012
53 – CAMINHO DE FOGO
As paredes, as ruas e os
edifícios não param de se mexer, parece que não gostam do regresso de João
Miguel.
O grande portão da
cidadela abre-se e fecha-se de rompante, tal como as portas e as janelas de
todas as casas.
O menino olha para a
porta gigante, para as ruas desertas, para o céu sem pássaros, sem Beatriz.
João Miguel prefere
ficar quieto, decide não avançar.
As paredes batem umas
contra as outras com estridência.
Os degraus das escadas aparecem
e desaparecerem de forma misteriosa, aumentando a confusão.
É impossível usar os
passeios ou andar pelas ruas.
Pedras e estilhaços de
vidraças são projetados por todo o lado.
A capital está turbulenta
e o menino começa a ficar preocupado.
Tudo se mexe e se agita,
tudo se altera, tudo se parte, tudo se volta a unir, tudo se desmancha e tudo
se volta a agrupar, tudo se confunde e tudo se fortifica.
O menino agacha-se para
não ser apanhado pelos fragmentos e estilhaços que voam pelos ares.
Os candeeiros das
avenidas partem-se, crescem, dobram-se, dividem-se em dois, dividem-se em três
e em quatro. Soltam-se do chão, ficam minúsculos, ficam imensos, despedaçam-se
e voltam-se a compor.
- Porque será que se
comporta assim a cidadela de Okatonga? Eu quero avançar mas não me arrisco a
fazê-lo. Assim torna-se complicado encontrar os reis Alberto e Alberta, com a
cidadela inteira nesta revolução. Tenho de ser muito habilidoso para andar no meio
da confusão. Não tenho outra escolha.
João Miguel começa a
caminhar com o máximo cuidado.
Mal dá os primeiros
passos as portas e as janelas das casas abrem-se de par em par. A voz poderosa
de Mestre Tino sai de dentro delas como um temporal ameaçador:
- NÃO QUERES REGRESSAR A
CASA, MIÚDO? NÃO SENTES SAUDADES DA TUA MÃE, DA TUA AVÓ E DA TUA CAMA
CONFORTÁVEL? AINDA PODES VOLTAR PARA TRÁS E REGRESSAR PELA MESMA GRUTA POR ONDE
AQUI CHEGASTE! A TUA PASSAGEM POR OKATONGA NÃO TERÁ PASSADO DE UM SIMPLES SONHO
AGITADO! ENTÃO? O QUE ACHAS DA MINHA PROPOSTA, JOÃO MIGUEL? CONFESSA, RAPAZ, JÁ
ESTÁS COM MEDO! TREMEM-TE AS PERNAS E A TUA PELE ESTÁ ARREPIADA. Achas que a
coruja Beatriz te deixou aqui sozinho porque tem confiança em ti? É isso que
pensas? ESTÁS MUITO ENGANADO! NINGUÉM SE ATREVE A DESAFIAR O PODER
SUPREMO DE MESTRE TINO, NINGUÉM!
No final do discurso,
milhares de escaravelhos saem disparados do interior das habitações e avançam para
o menino, que solta um desabafo:
- Será que é agora que eu
vou morrer?
Na cabeça de João Miguel
surge uma voz melodiosa que o tenta orientar:
- Usa a tua sabedoria,
João Miguel, escuta aquilo que ela tem para te dizer e sê rápido a executar as instruções.
O menino abre de
imediato a sacola de onde tira duas pedras polidas e uma garrafa de vidro de
tamanho médio. Agita-a com vigor antes de a abrir.
Os escaravelhos estão
cada vez mais perto.
Com perícia, retira a
tampa e derrama o líquido esverdeado à sua volta e à sua frente, molhando os
insetos que ficam da mesma cor.
De seguida, inclina-se
junto ao chão e bate as pedras uma na outra provocando grandes faíscas com
inusitada mestria. O líquido ilumina-se em chamas incandescentes que se
espalham pela maioria dos rastejantes, abrindo uma clareira e um corredor de cinzas
por onde o João Miguel desata a correr.
Os insetos, em chamas, retiram-se
num alvoroço descontrolado. Fogem a arder, galgam os passeios e trepam pelos muros
para fugir rumo à floresta.
A cidadela volta à sua forma
original.
Sem comentários:
Enviar um comentário