06 de Novembro de 2012
52 – REGRESSO À CIDADELA
Beatriz atravessa o céu
como uma flecha graciosa.
- O vento aqui em cima é
doce, fresco e perfumado. Costumo subir até às nuvens mais altas, de vez em
quando, para melhor observar o grande lago, a floresta, as montanhas, e para
verificar se está tudo bem no meu domínio.
João Miguel está
fascinado com a vista que, de tão espantosa, quase o faz esquecer os últimos
acontecimentos. Bem agarrado à senhora coruja, o menino descobre uma sensação
sem igual. Descobre o prazer de voar. É como viver um sonho. Ele deseja que
estes instantes demorem muito tempo a passar.
Ao cruzar os céus de
Okatonga, o menino imagina-se pássaro e saboreia essa rara forma de liberdade
que só eles conhecem. Seria tão bom se pudesse voar como eles.
- Eu gostava de ter asas
como tu, Beatriz. Seria maravilhoso! Podia percorrer longas distâncias, passar
por cima de montanhas, de vales e de rios, podia visitar cidades distantes. És
uma felizarda.
Poucos são os meninos
que vivem assim uma aventura.
Quando João Miguel estava
quase a ser capturado pelo exército do coronel-sapo e pelos ministros de Mestre
Tino, foi salvo com a ajuda preciosa de Dona Beatriz, que agora procura fazê-lo
chegar são e salvo à cidadela, e não falta muito para lá chegar.
- Já se conseguem ver as
muralhas da cidadela ao longe, bem no meio da densa floresta! – exclama a coruja
das torres.
Estão a voar há mais de
seis horas, mas para o João Miguel, o tempo passou a voar.
- Não desças ainda
Beatriz, não desças, por favor! Continua a voar mais um pouco. Eu jamais
conseguirei ver Okatonga como aqui de cima, jamais ficarei tão maravilhado como
agora. Não desças Beatriz, não desças já, faz-me esta vontade!
A enorme ave cede ao
pedido do menino, e interrompe a longa descida.
Com o corpo estabilizado
e paralelo ao chão, bate as asas mais devagar e fica a planar ao sabor do vento
doce, fresco e perfumado.
As nuvens desaparecem.
A cidadela cresce à
medida que se aproximam, e a coruja começa a voar em círculos para felicidade
do menino.
Os torreões, que estavam
imóveis antes da sua chegada, começam a agitar-se. Rodam, descem e sobem à vez.
Alguns desaparecem no chão quase por completo, deixando apenas os telhados
cónicos parcialmente a descoberto.
A cidadela ganha vida e
transfigura-se, como se fosse mágica.
Crescem avenidas onde
antes existiam becos.
As varandas e os
varandins do palácio aumentam de tamanho.
Os passeios largos do
parque central ficam muito delgados e afiados.
Os prédios mais altos
crescem ainda mais, quase atingindo as nuvens.
As casas mais modestas
engordam tanto que deixam de existir as ruelas que as separavam.
As muralhas acompanham
os movimentos dos torreões, subindo e descendo a um ritmo mais lento e de
maneira desacertada.
Os poucos habitantes que
se viam ao longe, desapareceram assim que a capital ganhou vida própria.
João Miguel olha a
cidadela lá do alto e estranha tamanha agitação.
- Não conheço nenhuma
cidade como esta, que se estica e encolhe, que roda e gira sem parar, que se
agiganta e diminui, que aumenta o tamanho das suas ruas e dos edifícios, que
tem vontade própria como se fosse um ser vivo como nós. Porque será que se mexe
assim esta cidade, Dona Beatriz? E porque se escondem as pessoas dentro das
suas casas?
A coruja vai planando
aos círculos por cima dos telhados, das muralhas, das avenidas, das ruas, dos
passeios e dos becos de Okatonga. Fica satisfeita com o regresso do menino
curioso. Voltaram as perguntas que revelam as suas inquietações e incertezas.
Dona Beatriz bate as asas antes de responder:
- Só tu podes descobrir
as respostas para essas questões! És um jovem aprendiz de alquimista, e tens as
ferramentas e a coragem necessárias para conseguires resolver esses mistérios.
Chegou a hora de descer, chegou a hora de eu te deixar. Tens de encontrar as
soluções para os teus enigmas e precisas de libertar os reis do nosso reino.
O chão da cidadela deserta
continua a movimentar-se.
As muralhas sobem e
descem, esticam-se e contraem-se.
Os edifícios fazem
muitos barulhos, as fachadas dão grandes estalos, as paredes contorcem-se,
distorcem-se, quebram-se e voltam-se a juntar.
Os passeios dão rugidos e
fazem saltar as pedras das calçadas pelos ares.
As ruas gemem como animais
embrutecidos.
As portas e as janelas das
casas abrem-se e fecham-se sem parar provocando grandes estrondos que ecoam como
tiros pelos ares.
Beatriz faz uma última
passagem sobre a cidadela antes de aterrar junto aos portões da capital.
O menino desmonta com
cuidado e dá-lhe um sentido abraço em torno do pescoço.
- Adeus dona Beatriz!
Muito obrigado pela ajuda e pela viagem que me ofereceste. Jamais te irei
esquecer!
Beatriz responde com um
grande sorriso.
- Afinal de contas, não
perdeste a língua, e tens dentro de ti a coragem de um verdadeiro guerreiro das
alturas!
Após a despedida, a
coruja das torres ergue o corpo no ar com um forte impulso das pernas, bate as
asas com vigor e voa para o interior da densa floresta de Okatonga.
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