quarta-feira, 7 de novembro de 2012

REGRESSO À CIDADELA



06 de Novembro de 2012

52 – REGRESSO À CIDADELA

Beatriz atravessa o céu como uma flecha graciosa.
- O vento aqui em cima é doce, fresco e perfumado. Costumo subir até às nuvens mais altas, de vez em quando, para melhor observar o grande lago, a floresta, as montanhas, e para verificar se está tudo bem no meu domínio.
João Miguel está fascinado com a vista que, de tão espantosa, quase o faz esquecer os últimos acontecimentos. Bem agarrado à senhora coruja, o menino descobre uma sensação sem igual. Descobre o prazer de voar. É como viver um sonho. Ele deseja que estes instantes demorem muito tempo a passar.
Ao cruzar os céus de Okatonga, o menino imagina-se pássaro e saboreia essa rara forma de liberdade que só eles conhecem. Seria tão bom se pudesse voar como eles.
- Eu gostava de ter asas como tu, Beatriz. Seria maravilhoso! Podia percorrer longas distâncias, passar por cima de montanhas, de vales e de rios, podia visitar cidades distantes. És uma felizarda.
Poucos são os meninos que vivem assim uma aventura.
Quando João Miguel estava quase a ser capturado pelo exército do coronel-sapo e pelos ministros de Mestre Tino, foi salvo com a ajuda preciosa de Dona Beatriz, que agora procura fazê-lo chegar são e salvo à cidadela, e não falta muito para lá chegar.
- Já se conseguem ver as muralhas da cidadela ao longe, bem no meio da densa floresta! – exclama a coruja das torres.
Estão a voar há mais de seis horas, mas para o João Miguel, o tempo passou a voar.
- Não desças ainda Beatriz, não desças, por favor! Continua a voar mais um pouco. Eu jamais conseguirei ver Okatonga como aqui de cima, jamais ficarei tão maravilhado como agora. Não desças Beatriz, não desças já, faz-me esta vontade!
A enorme ave cede ao pedido do menino, e interrompe a longa descida.
Com o corpo estabilizado e paralelo ao chão, bate as asas mais devagar e fica a planar ao sabor do vento doce, fresco e perfumado.
As nuvens desaparecem.
A cidadela cresce à medida que se aproximam, e a coruja começa a voar em círculos para felicidade do menino.
Os torreões, que estavam imóveis antes da sua chegada, começam a agitar-se. Rodam, descem e sobem à vez. Alguns desaparecem no chão quase por completo, deixando apenas os telhados cónicos parcialmente a descoberto.
A cidadela ganha vida e transfigura-se, como se fosse mágica.
Crescem avenidas onde antes existiam becos.
As varandas e os varandins do palácio aumentam de tamanho.
Os passeios largos do parque central ficam muito delgados e afiados.
Os prédios mais altos crescem ainda mais, quase atingindo as nuvens.
As casas mais modestas engordam tanto que deixam de existir as ruelas que as separavam.
As muralhas acompanham os movimentos dos torreões, subindo e descendo a um ritmo mais lento e de maneira desacertada.
Os poucos habitantes que se viam ao longe, desapareceram assim que a capital ganhou vida própria.
João Miguel olha a cidadela lá do alto e estranha tamanha agitação.
- Não conheço nenhuma cidade como esta, que se estica e encolhe, que roda e gira sem parar, que se agiganta e diminui, que aumenta o tamanho das suas ruas e dos edifícios, que tem vontade própria como se fosse um ser vivo como nós. Porque será que se mexe assim esta cidade, Dona Beatriz? E porque se escondem as pessoas dentro das suas casas?
A coruja vai planando aos círculos por cima dos telhados, das muralhas, das avenidas, das ruas, dos passeios e dos becos de Okatonga. Fica satisfeita com o regresso do menino curioso. Voltaram as perguntas que revelam as suas inquietações e incertezas. Dona Beatriz bate as asas antes de responder:
- Só tu podes descobrir as respostas para essas questões! És um jovem aprendiz de alquimista, e tens as ferramentas e a coragem necessárias para conseguires resolver esses mistérios. Chegou a hora de descer, chegou a hora de eu te deixar. Tens de encontrar as soluções para os teus enigmas e precisas de libertar os reis do nosso reino.
O chão da cidadela deserta continua a movimentar-se.
As muralhas sobem e descem, esticam-se e contraem-se.
Os edifícios fazem muitos barulhos, as fachadas dão grandes estalos, as paredes contorcem-se, distorcem-se, quebram-se e voltam-se a juntar.
Os passeios dão rugidos e fazem saltar as pedras das calçadas pelos ares.
As ruas gemem como animais embrutecidos.
As portas e as janelas das casas abrem-se e fecham-se sem parar provocando grandes estrondos que ecoam como tiros pelos ares.
Beatriz faz uma última passagem sobre a cidadela antes de aterrar junto aos portões da capital.
O menino desmonta com cuidado e dá-lhe um sentido abraço em torno do pescoço.
- Adeus dona Beatriz! Muito obrigado pela ajuda e pela viagem que me ofereceste. Jamais te irei esquecer!
Beatriz responde com um grande sorriso.
- Afinal de contas, não perdeste a língua, e tens dentro de ti a coragem de um verdadeiro guerreiro das alturas!
Após a despedida, a coruja das torres ergue o corpo no ar com um forte impulso das pernas, bate as asas com vigor e voa para o interior da densa floresta de Okatonga.

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