terça-feira, 4 de dezembro de 2012

UMA GRANDE TEMPESTADE


2 de Dezembro de 2012

58 – UMA GRANDE TEMPESTADE

Tem de existir uma maneira para o João Miguel conseguir entrar no farol, nem sempre é pela porta principal que se tem acesso a um determinado lugar. Passagens secretas, truques especiais, mecanismos ocultos ou ferramentas exclusivas, são algumas das possibilidades que já passaram pela cabeça do menino, que está a sentir dificuldades para resolver o problema.
- Esta é a única porta que existe! Seria bom se aparecessem umas escadas do lado de fora para eu conseguir subir.
Assim que o João Miguel acaba de desabafar, e sem que se aperceba, o farol começa a rodar, bem devagar. Aos poucos, a sua velocidade aumenta até girar com a ligeireza de um carrossel colossal.
As listas encarnadas escorrem pelas paredes abaixo, numa tinta líquida espessa, como se fossem sangue de um vermelho muito vivo. Algumas gotas são projetadas no ar pela rotação do farol, causando uma insólita chuva avermelhada.
- Aqui em cima, João Miguel! Depressa! Tens de nos vir salvar! O farol começou a rodar! Tens de ser muito rápido a subir, ou OKATONGA DESAPARECERÁ PARA SEMPRE! Quando o farol perder a última gota de tinta vermelha, os túneis do esquecimento vão engolir a cidadela, a floresta, todos os oceanos de todos os mundos, e tudo o que já aconteceu, acontece e está por acontecer! O TEMPO É TEU INIMIGO; JOÃO MIGUEL, TENS DE O DOMINAR PARA CONSEGUIRES CUMPRIR A TUA MISSÃO!
O menino não se assusta com a chuva de tinta de sangue.
Está concentradíssimo em tentar descobrir uma outra entrada do farol.
- RAIOS! Onde será que se esconde uma outra porta, ou uma entrada diferente? Como vou fazer para entrar neste farol rodopiante? CLAAAAAAROOO! COMO POSSO TER SIDO TÃO DISTRAÍDO? Não vou perder nem mais um segundo!
Com uma rapidez nunca vista, o menino retira o pequeno pau de giz do interior da sacola de couro, corre até à porta de madeira e desenha-lhe uma perfeita circunferência branca que logo se ilumina. A abertura redonda dá-lhe um acesso fácil ao interior do grande farol.
No interior encontra-se uma escadaria em caracol, construída em pedra, em tudo idêntica à que usou para descer até casa do Zebedeu.
- Como posso ter sido tão distraído? Vou já subir, com todo o cuidado, pois o farol não para de rodopiar!

*

Os ministros de Mestre Tino começam a chegar à cidadela.
A raposa Judite vem à frente, seguida de perto pelo macaco Isidoro e pelos siameses Aroma e Amora. O porco Baltasar, o gato Medina e o coronel-sapo, que escapou ileso da queda, chegam logo a seguir.
O coelho Belchior aguarda-os junto ao portão de Okatonga, e dá-lhes a seguinte novidade:
- Calma, podem ficar descansados, não se preocupem! O miúdo está no jardim, perto do farol-prisão, mas nunca encontrará maneira de lá entrar. Jamais será capaz de salvar os reis do nosso reino!
Os ministros param a correria.
Judite está bastante preocupada. A notícia em nada a tranquiliza, e ela pergunta:
- Tens certeza absoluta do que acabas de afirmar, Belchior? Estou farta de ser enganada pela esperteza do miúdo. Ele é bem mais astuto e corajoso do que nós pensávamos.
O macaco Isidoro resolve falar:
- FARTO! ESTOU FARTO DESTA MACACADA! Temos de estar completamente seguros de que o rapazinho não sobe ao alto da prisão! E se isso acontecer, a culpa será toda tua, Belchior. NUNCA VI COELHO MAIS APALERMADO! Não sei o que me impede de te dar um valente puxão de orelhas!
Os siameses Aroma e Amora estão nervosos, e discutem um com o outro, culpando-se pela situação.
- A culpa disto estar a acontecer é toda tua, Aroma! É TODA TUA, SÓ TUA! Devias ter amordaçado os reis do nosso reino, como eu te disse!
O gato Aroma responde, ainda mais irritado:
- A culpa pode não ser do Belchior, mas minha também não é! A culpa disto estar a acontecer é toda tua, Amora! É TODA TUA, SÓ TUA! Devias ter amarrado os reis do nosso reino, como eu te disse!
O gato-guarda Medina olha para os siameses com ar reprovador, e também ele dá a sua opinião:
- Calem-se, parem lá com isso, não sejam ridículos! Se existe um culpado por esta situação, esse culpado sou eu! Se tivesse percebido que o Sarmento não estava do nosso lado, esse gato traidor nunca teria ajudado o rapaz a escapar da cidadela.
Uma trovoada ameaçadora aproxima-se da capital do reino. Os trovões escutam-se, ao longe, e o sargento-sapo avisa os restantes ministros:
- PAREM COM A DISCUSSÃO! Nada disto vai fazer com que o miúdo desista de tentar libertar os reis do nosso reino. Temos de unir os nossos esforços, e não passar o tempo a argumentar!
O porco Baltasar, que não gosta de dar razão a ninguém, abana a cabeça afirmativamente, grunhindo e concordando com as palavras do coronel:
- Ouviram o que disse o sapo? PAREM TODOS DE DISCUTIR! Se o João Miguel encontrou o jardim e o farol-prisão, como disse o Belchior, então ele é o adversário mais poderoso e esperto que o Mestre Tino alguma vez defrontou! E nós temos falhado ao tentar impedi-lo de cumprir a sua missão. Chegou a hora de unir forças, mas sem invejas nem egoísmos, caso contrário os reis serão libertados e o nosso futuro será tão negro como a tempestade que se aproxima.
Mestre Tino, que se manteve calado durante todo este tempo, escondido no meio do imenso temporal, levanta a voz para dar um ralhete aos seus ministros:
- UM BANDO DE INÚTEIS, É ISSO QUE VOCÊS SÃO! VOLTARAM A MENOSPREZAR UM ADVERSÁRIO! COMETERAM OS MESMOS ERROS DE SEMPRE, E O RAPAZ SOBE, A ESTA HORA, OS DEGRAUS DO FAROL!
O tom de voz do buldogue ditador ribomba como mil trovões.
Nuvens escuras como a noite tomam conta dos céus azuis de Okatonga.
A cidadela mergulha numa tempestade tremenda, que se estende até aos jardins do palácio real.
*

O farol roda, e a longa escada em caracol acompanha-o. A tarefa do menino torna-se ainda mais complicada.
João Miguel vai contando os degraus enquanto sobe.
Do lado de fora, as paredes estão quase brancas, pois a chuva acelerou o desaparecimento da tinta vermelha.
O menino corre, corre, corre pelas escadas acima o mais depressa que consegue.
A terrível tempestade faz com que as luzes do farol brilhem como nunca.
- MAJESTADES! ALTEZAS REAIS! REI ALBERTO, RAINHA ALBERTA, CONSEGUEM ESCUTAR-ME? VOSSAS REALEZAS ESTÃO BEM? – grita João Miguel com ansiedade.
A chuva cai com intensidade, e os relâmpagos da tormenta traçam desenhos luminosos que iluminam por completo o interior do farol.
A prisão onde os reis estão cativos treme com a energia provocada pelos trovões.
- MAJESTADES, ONDE ESTÃO? CONSEGUEM ESCUTAR-ME? – pergunta novamente o menino.
- SIM, AQUI EM CIMA! ESTAMOS AQUI! CONSEGUIMOS ESCUTAR-TE! Estás perto, muito perto. Deve faltar pouco para aqui chegares. – respondem os reis de Okatonga.
O João Miguel sobe a escadaria, sempre a contar:
- Duzentos e dezassete, duzentos e dezoito, duzentos e dezanove, duzentos e vinte, duzentos e vinte um e duzentos e vinte e dois! CHEGUEI! Até que enfim! Estou no topo do farol. Onde estão suas majestades?
No meio da sala octogonal de paredes envidraçadas, sentados em dois tronos feitos de prata, os reis Alberto e Alberta olham para o menino com satisfação.
- Olá! Estamos aqui à tua espera desde que a história começou! – diz a rainha Alberta.
- Olá! És um menino aventureiro e muito corajoso. Nunca duvidei que serias capaz de nos vir salvar. – diz o rei Alberto, sorrindo de satisfação.
O menino fica atónito ao conhecer, finalmente, os ilustres reis do reino de Okatonga.

Sem comentários:

Enviar um comentário