2 de Dezembro de 2012
58 – UMA GRANDE
TEMPESTADE
Tem de existir uma
maneira para o João Miguel conseguir entrar no farol, nem sempre é pela porta
principal que se tem acesso a um determinado lugar. Passagens secretas, truques
especiais, mecanismos ocultos ou ferramentas exclusivas, são algumas das
possibilidades que já passaram pela cabeça do menino, que está a sentir
dificuldades para resolver o problema.
- Esta é a única porta
que existe! Seria bom se aparecessem umas escadas do lado de fora para eu conseguir
subir.
Assim que o João Miguel
acaba de desabafar, e sem que se aperceba, o farol começa a rodar, bem devagar.
Aos poucos, a sua velocidade aumenta até girar com a ligeireza de um carrossel
colossal.
As listas encarnadas
escorrem pelas paredes abaixo, numa tinta líquida espessa, como se fossem
sangue de um vermelho muito vivo. Algumas gotas são projetadas no ar pela
rotação do farol, causando uma insólita chuva avermelhada.
- Aqui em cima, João
Miguel! Depressa! Tens de nos vir salvar! O farol começou a rodar! Tens de ser
muito rápido a subir, ou OKATONGA DESAPARECERÁ PARA SEMPRE! Quando o farol
perder a última gota de tinta vermelha, os túneis do esquecimento vão engolir a
cidadela, a floresta, todos os oceanos de todos os mundos, e tudo o que já
aconteceu, acontece e está por acontecer! O TEMPO É TEU INIMIGO; JOÃO MIGUEL,
TENS DE O DOMINAR PARA CONSEGUIRES CUMPRIR A TUA MISSÃO!
O menino não se assusta
com a chuva de tinta de sangue.
Está concentradíssimo
em tentar descobrir uma outra entrada do farol.
- RAIOS! Onde será que
se esconde uma outra porta, ou uma entrada diferente? Como vou fazer para entrar
neste farol rodopiante? CLAAAAAAROOO! COMO POSSO TER SIDO TÃO DISTRAÍDO? Não
vou perder nem mais um segundo!
Com uma rapidez nunca
vista, o menino retira o pequeno pau de giz do interior da sacola de couro,
corre até à porta de madeira e desenha-lhe uma perfeita circunferência branca
que logo se ilumina. A abertura redonda dá-lhe um acesso fácil ao interior do
grande farol.
No interior encontra-se
uma escadaria em caracol, construída em pedra, em tudo idêntica à que usou para
descer até casa do Zebedeu.
- Como posso ter sido
tão distraído? Vou já subir, com todo o cuidado, pois o farol não para de
rodopiar!
*
Os ministros de Mestre
Tino começam a chegar à cidadela.
A raposa Judite vem à
frente, seguida de perto pelo macaco Isidoro e pelos siameses Aroma e Amora. O
porco Baltasar, o gato Medina e o coronel-sapo, que escapou ileso da queda,
chegam logo a seguir.
O coelho Belchior
aguarda-os junto ao portão de Okatonga, e dá-lhes a seguinte novidade:
- Calma, podem ficar
descansados, não se preocupem! O miúdo está no jardim, perto do farol-prisão,
mas nunca encontrará maneira de lá entrar. Jamais será capaz de salvar os reis
do nosso reino!
Os ministros param a
correria.
Judite está bastante
preocupada. A notícia em nada a tranquiliza, e ela pergunta:
- Tens certeza absoluta
do que acabas de afirmar, Belchior? Estou farta de ser enganada pela esperteza
do miúdo. Ele é bem mais astuto e corajoso do que nós pensávamos.
O macaco Isidoro
resolve falar:
- FARTO! ESTOU FARTO
DESTA MACACADA! Temos de estar completamente seguros de que o rapazinho não
sobe ao alto da prisão! E se isso acontecer, a culpa será toda tua, Belchior.
NUNCA VI COELHO MAIS APALERMADO! Não sei o que me impede de te dar um valente
puxão de orelhas!
Os siameses Aroma e
Amora estão nervosos, e discutem um com o outro, culpando-se pela situação.
- A culpa disto estar a
acontecer é toda tua, Aroma! É TODA TUA, SÓ TUA! Devias ter amordaçado os reis
do nosso reino, como eu te disse!
O gato Aroma responde,
ainda mais irritado:
- A culpa pode não ser
do Belchior, mas minha também não é! A culpa disto estar a acontecer é toda
tua, Amora! É TODA TUA, SÓ TUA! Devias ter amarrado os reis do nosso reino,
como eu te disse!
O gato-guarda Medina
olha para os siameses com ar reprovador, e também ele dá a sua opinião:
- Calem-se, parem lá
com isso, não sejam ridículos! Se existe um culpado por esta situação, esse
culpado sou eu! Se tivesse percebido que o Sarmento não estava do nosso lado,
esse gato traidor nunca teria ajudado o rapaz a escapar da cidadela.
Uma trovoada ameaçadora
aproxima-se da capital do reino. Os trovões escutam-se, ao longe, e o
sargento-sapo avisa os restantes ministros:
- PAREM COM A
DISCUSSÃO! Nada disto vai fazer com que o miúdo desista de tentar libertar os
reis do nosso reino. Temos de unir os nossos esforços, e não passar o tempo a
argumentar!
O porco Baltasar, que
não gosta de dar razão a ninguém, abana a cabeça afirmativamente, grunhindo e concordando
com as palavras do coronel:
- Ouviram o que disse o
sapo? PAREM TODOS DE DISCUTIR! Se o João Miguel encontrou o jardim e o
farol-prisão, como disse o Belchior, então ele é o adversário mais poderoso e
esperto que o Mestre Tino alguma vez defrontou! E nós temos falhado ao tentar
impedi-lo de cumprir a sua missão. Chegou a hora de unir forças, mas sem
invejas nem egoísmos, caso contrário os reis serão libertados e o nosso futuro
será tão negro como a tempestade que se aproxima.
Mestre Tino, que se
manteve calado durante todo este tempo, escondido no meio do imenso temporal,
levanta a voz para dar um ralhete aos seus ministros:
- UM BANDO DE INÚTEIS,
É ISSO QUE VOCÊS SÃO! VOLTARAM A MENOSPREZAR UM ADVERSÁRIO! COMETERAM OS MESMOS
ERROS DE SEMPRE, E O RAPAZ SOBE, A ESTA HORA, OS DEGRAUS DO FAROL!
O tom de voz do
buldogue ditador ribomba como mil trovões.
Nuvens escuras como a
noite tomam conta dos céus azuis de Okatonga.
A cidadela mergulha
numa tempestade tremenda, que se estende até aos jardins do palácio real.
*
O farol roda, e a longa
escada em caracol acompanha-o. A tarefa do menino torna-se ainda mais
complicada.
João Miguel vai
contando os degraus enquanto sobe.
Do lado de fora, as
paredes estão quase brancas, pois a chuva acelerou o desaparecimento da tinta
vermelha.
O menino corre, corre,
corre pelas escadas acima o mais depressa que consegue.
A terrível tempestade
faz com que as luzes do farol brilhem como nunca.
- MAJESTADES! ALTEZAS
REAIS! REI ALBERTO, RAINHA ALBERTA, CONSEGUEM ESCUTAR-ME? VOSSAS REALEZAS ESTÃO
BEM? – grita João Miguel com ansiedade.
A chuva cai com
intensidade, e os relâmpagos da tormenta traçam desenhos luminosos que iluminam
por completo o interior do farol.
A prisão onde os reis estão
cativos treme com a energia provocada pelos trovões.
- MAJESTADES, ONDE ESTÃO?
CONSEGUEM ESCUTAR-ME? – pergunta novamente o menino.
- SIM, AQUI EM CIMA! ESTAMOS
AQUI! CONSEGUIMOS ESCUTAR-TE! Estás perto, muito perto. Deve faltar pouco para aqui
chegares. – respondem os reis de Okatonga.
O João Miguel sobe a escadaria,
sempre a contar:
- Duzentos e dezassete,
duzentos e dezoito, duzentos e dezanove, duzentos e vinte, duzentos e vinte um e
duzentos e vinte e dois! CHEGUEI! Até que enfim! Estou no topo do farol. Onde estão
suas majestades?
No meio da sala octogonal
de paredes envidraçadas, sentados em dois tronos feitos de prata, os reis Alberto
e Alberta olham para o menino com satisfação.
- Olá! Estamos aqui à tua
espera desde que a história começou! – diz a rainha Alberta.
- Olá! És um menino aventureiro
e muito corajoso. Nunca duvidei que serias capaz de nos vir salvar. – diz o rei
Alberto, sorrindo de satisfação.
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