quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

UM SONINHO DESCANSADO


12 de Dezembro de 2012

60 – UM SONINHO DESCANSADO

O grande buldogue foi derrotado.
A notícia da vitória de João Miguel espalhou-se com rapidez pelo reino de Okatonga, e depressa chegou à capital.
Os habitantes da cidadela começam a sair às ruas para festejar o grandioso feito de João Miguel:
- VITÓRIA! VITÓRIA! Os nossos reis vão ser libertados! Okatonga voltará a ser vibrante e luminosa! VITÓRIA, VITÓRIA! – grita o povo com alegria.
Em Okatonga mais ninguém voltará a sentir medos, a ter receios ou a suspeitar de alguém.
Os muros e a extensa muralha da cidadela serão destruídos pois deixaram de fazer sentido. Foram mandados construir para impedir possíveis fugas da capital. Mestre Tino e os seus ministros obrigavam a população a trabalhar para si, e ninguém podia desobedecer às suas estranhas ordens.
Mas tudo isso terminou agora que o João Miguel conseguiu cumprir a sua missão.

*

Os céus do reino de Okatonga enchem-se de pássaros. As aves carregam às costas os soldados-sapos, que também desejam festejar. A grande coruja Beatriz segue no meio do monumental bando com Esmeralda às costas, e o valente sapo Renato segue encavalitado num imenso albatroz.
Papagaios, falcões, pombas, mochos, águias, cegonhas, andorinhas, milhafres, centenas de corujas e muitos outros pássaros de mil espécies juntaram-se nos ares para testemunharem a entrega da chave da liberdade ao menino aprendiz de alquimista.
Sarmento também regressa à cidadela, contentíssimo com a façanha do menino de pijama:
- Nunca duvidei do rapaz, nunca! Os seus olhos brilham como a estrela da noite e as suas palavras são ditas com uma convicção ímpar. No coração do menino habita a verdade e a coragem dos justos. Hoje é um grande dia para o nosso reino! – exclama o vaidoso gato-guarda.
Todos se dirigem para o farol dos jardins reais. É ali que se vai realizar a cerimónia de entrega das chaves a que ninguém deseja faltar.

*

O buldogue ditador está nervoso.
Perder era algo que ele não concebia, e a derrota aconteceu porque Tino menosprezou este menino tão novo de aparência franzina. Foi por isso que ficou ainda mais transtornado.
De súbito, num impulso imprudente, Mestre Tino levanta a tampa da caixa de escaravelhos que mantém junto a si. De imediato saltam do seu interior milhares de escaravelhos. O buldogue, a raposa Judite, o gato Medina, o macaco Isidoro e os gatos Amora e Aroma ficam tapados pelos insetos que trepam por eles acima. O jacaré Dom Raimundo, a aranha Suzete e o coronel-sapo também acabam por ficar cobertos de escaravelhos. Os ministros de Tino e o buldogue ditador estão transformados em estátuas feitas de insetos, com exceção de Belchior, que tem os olhos vidrados de medo e o corpo a tremer como uma gelatina acabada de desenformar.

Um, dois, três, quatro, eis o triste resultado
Cinco, seis, sete, oito, de ser um bicho malvado
Nove, dez, onze, doze, o corpo fica fechado

Um, dois, três, quatro, vou também desaparecer
Cinco, seis, sete, oito, assim tem de acontecer
Nove, dez, onze, doze, para a história renascer

O coelho Belchior transforma-se numa estátua de escaravelhos cintilantes.
Antes do menino conseguir dizer alguma coisa, os insetos regressam ao interior da caixa tão depressa como surgiram.
Quando o último dos bichos rastejantes se prepara para desaparecer, Esmeralda surge a correr por detrás do farol, salta-lhe para cima e esmaga-o com o pé direito, para grande espanto do João Miguel.
A menina fecha a caixa de imediato, com a chave dourada que caíra da boca de Mestre Tino, dando duas voltas à fechadura.
Todos os pássaros, o exército de sapos e Dona Beatriz sorriem de contentamento com o que acaba de acontecer.
- Olá João Miguel! Mestre Tino e os seus ministros nunca mais nos vão incomodar. - diz Esmeralda com convicção. – Enquanto esta caixa permanecer fechada, mal algum cairá sobre Okatonga, e todos os habitantes vão poder viver em paz!
- E agora? – pergunta o menino.
- Toma, João Miguel. – responde Esmeralda estendendo-lhe a caixa. – Este é o teu prémio. Sobe as escadas do farol, usa a chave dourada para libertares os reis do nosso reino. Tu decidirás se ficas com a caixa como recordação da aventura, ou se a devolves ao rei Alberto, para ele a guardar em lugar seguro. Mestre Tino preferiu abri-la para não ter de te entregar a chave dourada, conforme mandam as regras. O tirano nunca foi derrotado, e preferiu, por isso, agir dessa maneira.
- Então, isto que aconteceu, foi apenas um jogo? O que teria acontecido se eu não tivesse chegado a tempo às masmorras reais? – pergunta João Miguel com surpresa.
A resposta é dada de imediato, pela bonita Esmeralda:
- O mesmo que aconteceu a Mestre Tino e aos ministros. Os escaravelhos teriam saído da caixa para te cobrir. Ficarias transformado numa estátua de insetos, que depois desapareceria de regresso a essa caixa de madeira que acabei de te entregar. Serias tu quem agora estaria dentro dela, e não aqueles que derrotaste, e o reino de Okatonga teria desaparecido para todo o sempre.
O menino ficou muito vermelho, apesar de sentir alguma vaidade por ter vencido o feroz ditador, e experimenta uma ponta de tristeza pelo desaparecimento de animais tão fascinantes.
- Vai, João Miguel, não esperes mais! Sobe as escadas e liberta os nossos reis! Zebedeu já sabe tudo acerca do teu grande triunfo, e está muito feliz. A ele se fica a dever a tua vinda a Okatonga. Só ele sabia quem podia salvar os nossos reis e tornar-se no mais fantástico aprendiz de alquimista de todos os tempos. – explica a menina da floresta.
Esmeralda abraça João Miguel com grande carinho, dá-lhe um beijo apaixonado, e torna-se invisível pela última vez.
- ESMERALDA! ESMERALDA, espera por mim, onde estás? Deixa-me olhar para ti, não desapareças assim tão depressa. Esmeralda, ESMERALDA! – grita o menino.
Mas a menina não regressa, nem lhe deixa qualquer pista.

*

Falta-lhe apenas subir os duzentos e vinte e dois degraus do farol para libertar os reis caracol. Mal começa a subida da escadaria de pedra, logo o seu coração bate mais depressa.
Ao chegar ao cimo, os degraus começam a parecer-lhe tão familiares.
Os degraus que o menino agora sobe já não são do farol.
João Miguel não reparou, mas as escadas de pedra transformaram-se nas escadas da sua própria casa, quando faltavam menos de dez degraus para chegar ao topo.

*

O menino alcança, sem dificuldade, o corredor do primeiro piso de sua casa, onde fica o seu quarto, o quarto da mãe e o quarto da avó Dulce. O topo do farol, onde ele esperava encontrar a prisão envidraçada dos reis Alberto e Alberta, é o corredor anexo aos quartos.
A caixa de madeira continua bem apertada nas mãos, as botas militares estão calçadas, ainda húmidas, o pijama está rasgado e roto nos dois joelhos e o saco de pele do anão Zebedeu continua a tiracolo. Se assim não fosse, era-lhe impossível afirmar que Okatonga existe, de verdade, dentro do saco invisível das histórias da mãe. É lá que se esconde esse reino mágico, misterioso, fascinante e colorido.
- Nem pensar dizer uma só palavra acerca disto à mãe! – pensa o menino ao avançar, sem ruído, até à porta do seu quarto.
Entra devagar, devagarinho, descalça-se e guarda a caixa, o saco de cabedal, e as botas pretas, debaixo da cama junto à grande coleção de legos que lá habita.
Com um sorriso luminoso como o sol, deita-se, tapa-se, e fica muito quieto, por instantes, a sentir todo o aconchego da cama.
- Esta é mesmo a minha casa e este é mesmo o meu quarto! – desabafa com satisfação.
Antes de fechar os olhos, jura ter escutado o coaxar do sapo Renato, do lado de fora da janela, junto ao choupo, a dar-lhe as boas-noites e a desejar-lhe um soninho descansado!

QUACH!!!!!!!!

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