28 de Novembro de 2012
56 – O MAIS BELO DE
TODOS OS JARDINS
O sol, acabado de
nascer, transforma o jardim num imenso arco-íris. Flores de todas as cores
embelezam os relvados e os canteiros, que se encontram espalhados um pouco por
toda a parte.
São vinte e quatro as
estátuas que circundam o lago octogonal. Os passeios que o rodeiam são largos e
terminam em dois degraus que descem até um imenso relvado que se estende até
onde a vista alcança.
O jardim não tem muros
a cercá-lo, é imenso e, para qualquer lado que se olhe, tudo se encontra
composto, organizado e muito harmonioso. Não existe uma ponta de relva mais
alta do que outra, as palmeiras são quase todas da mesma altura, os candeeiros
estão espaçados os mesmos metros entre si e as árvores e sebes estão lindamente
aparadas.
Os mármores do
pavimento junto ao lago brilham como um espelho. A água é tão límpida, tão
cristalina, que os peixes dourados parecem nadar no vazio. Os elegantes repuxos
espiralados soam compassados e caem, segundo a segundo, na água do lago,
permitindo calcular o tempo com facilidade. O menino conta sessenta mergulhos
de sessenta repuxos e sorri de contentamento.
A água está tépida, e
os peixes dançam e brilham como estrelas ao luar.
- Que jardim
maravilhoso! Nem vale a pena dizer que é o mais bonito jardim que alguma vez
visitei. Tudo o que existe em Okatonga não para de me surpreender. E pensar que
aqui por baixo existem subterrâneos escuros, imundos e mal-cheirosos.
João Miguel descalça as
botas negras para retirar o resto das águas sujas que lhe causam desconforto. O
pijama, o cabelo e o corpo ainda estão todos molhados.
- Que bom seria ter uma
toalha para me enxugar. Ainda me vou constipar! A avó Dulce anda sempre atrás
de mim, de chinelos na mão. Não gosta nada que eu ande descalço pela casa ou me
esqueça de secar o cabelo depois do banho. Está sempre a dizer que me constipo,
e que a culpa é toda minha se isso acontecer. Ai se ela me visse agora neste
estado, o que teria ela para me dizer?
O menino pendura a
camisa do pijama num pequeno arbusto, virado para o sol, juntamente com as
botas militares já desatadas. Senta-se na relva curta, que de tão bem aparada,
se assemelha a um gigantesco tampo de mesa de bilhar.
Está calor e em breve
tudo estará seco para que a aventura possa continuar.
- O farol é imponente e
muito bonito. Tem sete riscas brancas e cinco vermelhas, e as luzes piscam em
tons de verde e azul, quase tão intensas como o sol da manhã.
João Miguel resolve
levantar-se e dar pequenos passos na direção do farol de onde chegam, com
clareza, as mesmas duas vozes de há pouco:
- Aqui, estamos aqui,
João Miguel! É no alto do farol que terás de nos vir salvar! Aqui, estamos aqui
em cima, João Miguel! É no alto deste farol que terás de nos vir salvar!
Já não resta nenhuma
dúvida. Foi ali, bem no alto do farol, que o malvado Mestre Tino prendeu os
reis de Okatonga. O buldogue tirano enviou os ministros Aroma e Amora pelos
túneis do esquecimento até estes jardins escondidos no interior do palácio da
cidadela. Encarceraram os reis Alberto e Alberta no alto do edifício para que
nunca mais pudessem ser resgatados.
- Um, dois, três, quatro, semeada no jardim
Cinco, seis, sete, oito, uma flor carmesim
Nove, dez, onze, doze, com perfume de jasmim
Um, dois, três, quatro, semeada no quintal
Cinco, seis, sete, oito, uma flor do olival
Nove, dez, onze, doze, com perfume outonal
Um, dois, três, quatro, semeada na planura
Cinco, seis, sete, oito, uma flor cor de doçura
Nove, dez, onze, doze, com perfume de aventura
Um, dois, três, quatro, semeadas pelo campo
Cinco, seis, sete, oito, as flores cor de sarampo
Nove, dez, onze, doze, brilham como o pirilampo
Um, dois, três, quatro, semeada no jardim
Cinco, seis, sete, oito, esta história, para mim
Nove, dez, onze, doze, nunca mais terá um fim
Vindo, sabe-se lá de
onde, o saltitante Belchior pega nas botas e na camisa de pijama do menino e
desata a fugir com as peças do vestuário. O João Miguel fica sem reação, por
instantes, até que resolve perseguir o animal cinzento, correndo atrás dele
como uma flecha.
- Se pensas que vais escapar,
estás muito enganado, coelho maluco! – grita o rapaz muito exaltado.
Um, dois, três, quatro, esta bela brincadeira
Cinco, seis, sete, oito, torna a história verdadeira
Nove, dez, onze, doze, vai durar a vida inteira
Um, dois, três, quatro, não me tentes apanhar
Cinco, seis, sete, oito, vou correr até ao mar
Nove, dez, onze, doze, e nas ondas mergulhar
E do alto do farol as
vozes repetem, aflitas, o mesmo apelo:
- Aqui, estamos aqui,
João Miguel, no alto deste farol! Terás de o subir para nos salvar!
Belchior volta-se para o
menino e deita-lhe a língua de fora. Mostra-lhe as botas e a camisa do pijama,
agitando-as com as patas bem acima da sua cabeça.
Um, dois, três, quatro, não me consegues chegar
Cinco, seis, sete, oito, sou ligeiro a saltar
Nove, dez, onze, doze, deste para outro lugar
E sem se saber como, o
coelho cinzento desaparece de forma tão misteriosa como aparecera. As botas e o
pijama caem no meio da relva, no exato lugar onde o ministro saltava com
exagero.
O menino resgata as peças
de vestuário que ficaram secas com tanta agitação.
Calça-se e veste-se com
desembaraço, expressando o seu desagrado com a estranha situação:
- Mas que coelho mais
apalermado! Como será que ele aqui chegou? Deve ter usado uma poção de Zebedeu,
e isso não é bom sinal. Se calhar, sou só eu a imaginar estas coisas devido ao
cansaço provocado pela aventura. Talvez tenha sido uma simples ilusão, ou
talvez uma miragem, mas não posso negar que vi e escutei o coelho Belchior! E
agora, TENHO DE CUMPRIR COM A MINHA MISSÃO! Tenho de salvar os reis de
Okatonga, tenho de salvar Alberto e Alberta antes que algum pesadelo possa
alterar, por completo, o rumo da história.
O sol já vai alto, o
jardim continua colorido, e o farol aguarda com ansiedade a chegada do ilustre
viajante.
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